segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Tutankhamon, o regresso à luz.

Howard Carter (1874-1939), ao centro, procede a um exame do sarcófago de Tutankamon após a abertura da câmara sepulcral; 1925.
No início do século XX, a Arqueologia - e, bem assim, a Egiptologia - não estavam ainda suficientemente desenvolvidas do ponto de vista académico e técnico: missões arqueológicas como a que anunciou ao mundo a descoberta do túmulo de Tutankamon em 19 de Novembro de 1922 só seriam possíveis, ou quando a próprio interesse das potências europeias jogava com uma busca de antiguidades que procuravam ser resgatadas para estudo nos principais museus europeus, ou quando o próprio trabalho arqueológico dependia do interesse ou gosto especial de um mecenas relativamente à antiguidade egípcia. Foi no último quadro, portanto, que se desenvolveu o trabalho arqueológico de Howard Carter relativamente ao túmulo de Tutankamon, fortemente patrocinado por Lord Carnarvon (1866-1923).
A expedição arqueológica de Carter vinha já a ser desenvolvida pelo menos desde 1921, após um trabalho metódico e cautelosamente desenvolvido no Vale dos Reis. Numa época em que o então estágio dos conhecimentos científicos no campo da arqueologia não estava ainda suficientemente desenvolvido, sobretudo se pensarmos que a própria expedição chegou a ser questionada pelo seu próprio financiador, todos os círculos académicos chegaram a considerar a exploração um derradeiro tiro no escuro na carreira de Carter; todos, menos Carter: em 16 de Fevereiro de 1923 a câmara funerária de Tutankamon foi finalmente aberta diante das autoridades egípcias.

domingo, 18 de novembro de 2012

Efeméride. Carl Maria von Weber (1786-1826)

Retrato de Carl Maria von Weber (1786-1826),
Museu Carl Maria von Weber, Dresden.
Data desconhecida.
Nascido a 18 de Novembro de 1786 em Eutin, Carl Maria von Weber destacou-se, não só pela particularidade com que a sua obra se desenvolveu nos primeiros anos do Romantismo, mas também pelo curto tempo de duração em que foi produzida. Apesar da última condicionante, pode afirmar-se que toda a gramática artística de Weber, mormente a de teor dramático, apresenta aquele sabor anunciador, e ao mesmo tempo triunfante, da transição; interessado num experimentalismo entre sonoridades e instrumentalidades distintas o que há, mais do que uma mera transição de estilo, é uma nova estética que paulatinamente nasce no ocidente europeu. A obra de Weber resulta, portanto, neste sincretismo profundo entre Neoclassicismo e Romantismo.
Destacando-se como pianista e violinista, a criação de teor dramático é, talvez, a mais ilustrativa deste fenómeno e aquela que mais impacto artístico teve na Europa de oitocentos. Das suas óperas destacam-se: Der Freischütz, Das Waldmädchen, Oberon e Euryanthe.
Vale a pena deixar, depois do vazio que as palavras deixam e que só o som pode compensar, um excerto da Abertura da ópera Oberon, magistralmente orquestrada pela Berliner Philarmoniker.

sábado, 17 de novembro de 2012

Alguns edifícios da Reforma Pombalina da Universidade de Coimbra (II)

4. Projecto para os edifícios da Cadeia e dos Tribunais de Coimbra; José do Couto dos Santos Leal, 1.º quartel do século XIX. Embora extemporâneo á Reforma Pombalina, o projecto é exemplificativo do atraso dos projectos após o afastamento de Pombal em 1777. (MNMC*)
 
5. Anteprojecto para as estufas do Jardim Botânico da Universidade de Coimbra; desenho por Macomboa, 1791. (MNMC)
6. Projectos para o Jardim Botânico da Universidade de Coimbra, 1818. O projecto apresenta duas opções estéticas para o pórtico e há testemunho da escolha (no mesmo projecto) da opção esquerda por D. Francisco de Lemos Pereira Coutinho, reitor da Universidade. O projecto foi apenas concluído em 1843. (MNMC)
*Museu Nacional Machado de Castro

Alguns edifícios da Reforma Pombalina da Universidade de Coimbra (I)

1. O Observatório Astronómico; desenho de Elsden, 1773. O projecto, a edificar sobre as ruínas do castelo de Coimbra, não superou o primeiro piso. Todo o conjunto foi demolido com a Reforma de 1940. (MNMC*)
2. Plana geral do antigo Colégio dos Jesuítas, 1773. Todo o conjunto, com excepção da Igreja, estava agora adstrito às novad funções estipuladas pela Reforma Pombalina de 1759-1793. As cores distinguem os departamentos de Física e História Natural. (MNMC)
3. A Imprensa Régia da Universidade de Coimbra, 1773. (MNMC)
 
 
*Museu Nacional Machado de Castro

quarta-feira, 11 de julho de 2012

A Sociedade das Nações face ao território e aos problemas humanitários.

Fridtjof Nansen (1861 - 1930), ca. 1922.
Biblioteca Nacional da Noruega, Oslo.
Como organismo de dimensão internacional, a Sociedade das Nações foi, de facto, pioneira: a criação de um sistema onde se propugnava um modelo de negociação concertado entre as Nações, baseado não só em actos legislativos, mas em princípios concretos de Direito Internacional, invertia uma lógica diplomática até então seguida, baseada no modelo conferencista e seguindo de perto o sistema de Metternich que, de um modo geral, procurava a resolução de conflitos na construção de pontos de equilíbrio, através de acordos cujos mecanismos de garantia eram, as mais das vezes, ineficazes ou mesmo inexistentes. Embora ambicioso, o projecto internacional baseado na Sociedade das Nações saiu, de certa forma, fragilizado, não só das negociações diplomáticas que envolveram o Tratado de Versalhes, mas também da validade que o próprio acto assumiu nos Estados que o negociaram. Embora tenha havido um esforço claro e notório por acolher e dar resposta aos novos condicionalismos internacionais do primeiro pós-guerra, as circunstâncias em que a Sociedade das Nações teve de desenvolver os seus trabalhos até 1939 não terão permitido, talvez, um acolhimento efectivo dessas novas realidades; não por uma questão de incapacidade própria, mas porque um conjunto de questões ficaram, à partida, por responder. Por um lado, os Estados Unidos da América bloquearam sucessivas vezes a ratificação do Tratado, algo que constituiu não só um dos primeiros problemas ao equilíbrio geoestratégico que a Sociedade das Nações pretendia representar, mas também uma posição particular que os Estados Unidos se viram obrigados a adoptar face à Alemanha, à Europa e à Sociedade das Nações: embora o Presidente W. Wilson tenha procurado de forma árdua uma resolução para o problema da ratificação, o Senado norte-americano opôs-se sucessivamente a uma aprovação. A posição americana reflectiria, portanto, uma incapacidade de percepção daquele que era o papel dos Estados Unidos no primeiro pós-guerra, bem como a influência vital que esse papel deveria exercer no novo equilíbrio geoestratégico. Por outro lado, o extremismo da Revolução Russa de 1917 obrigou os Estados europeus, bem como os Estados Unidos, a formar uma espécie de círculo sanitário para conter o avanço da Revolução Bolchevique. Não apenas o medo que a Revolução causou nos principais sistemas políticos e económicos do Ocidente, mas também a desconfiança com que as principais lideranças olharam para a natureza revolucionária do regime, motivaram um arrefecimento nas relações internacionais com a Rússia, algo que seria confirmado através de um tardio reconhecimento diplomático do regime e, bem assim, através de uma tardia adesão da União Soviética à Sociedade das Nações - a adesão seria efectuada em 1934 e retirada imediatamente em 1939. De outro modo, o problema alemão viria a ter eco no novo organismo internacional: de facto, a constituição da Sociedade das Nações não contemplou, de imediato, a integração da Alemanha e, neste sentido, tornar-se-ia impossível a prossecução de uma estratégia concertada de cooperação internacional para a Paz, a Segurança e a Democracia que contemplasse apenas a participação das Potências vencedoras. Este foi, parece-me, um facto de capital importância não só para a desacreditação da Sociedade das Nações nos seus primeiros anos, mas também para a falência do próprio Tratado de Versalhes - a Alemanha seria integrada na Sociedade das Nações em 1925, pelo Tratado de Locarno, e abandonaria a sua posição em 1933.
Contudo, não devemos optar por um raciocínio laxista e pensar que todo o trabalho desenvolvido pela Sociedade das Nações foi infrutífero. Correspondendo a um momento na política internacional em que as grandes questões de Estado necessitam de ser discutidas num amplo consenso, na medida em que envolvam outros Estados, a construção da Sociedade das Nações procurou, de forma concreta e alargada, desenvolver um trabalho de resolução exaustivo de todas as questões que ficaram em aberto após 1919: limites de fronteiras, conflitos regionais e problemas humanitários. Todavia, a fixação de fronteiras pelos primeiros tratados de paz não foi suficiente para conter litígios de poder e conflitos de soberania, pelo que foi necessária uma segunda geração de tratados de paz para que estas questões dessem um novo passo na sua solução, embora insuficiente e temporária. A Europa só viria a conhecer um novo mapa político em 1925 e, até ao desencadear da II.ª Guerra Mundial, esse mapa não foi, de todo, estável.
Embora a ausência de estabilidade fosse dominante na maior parte das questões, o trabalho internacional no sentido se dar resolução a problemas de alcançe territorial não pode deixar de ser tido como um trabalho árduo e grandioso. Apesar de grandiosidade do trabalho, as primeiras resoluções foram pouco extensíveis: nos três primeiros anos da década de 1920 a Sociedade das Nações procurou dar apenas importância às questões designadas na Conferência de Paz de 1919, não porque essas fossem as questões mais urgentes na construção da estabilidade política europeia, mas sobretudo porque todas as decisões foram manipuladas pelas Potências Aliadas nos orgãos superiores; orgãos como o Conselho Supremo dos Aliados. Contudo, a Sociedade das Nações procuraria ocupar um lugar cada vez mais central nas negociações de Estado e, com o desenvolvimento do seu papel internacional, a resolução de disputas territoriais foi conseguida através de um recurso cada vez maior a estratégias diplomáticas. Ao mesmo tempo, a Sociedade das Nações ia-se tornando, gradualmente, o centro da actividade internacional: os E.U.A. - embora nunca aderindo formalmente ao organismo - e a U.R.S.S. procuraram trabalhar de forma cada vez mais próxima com a Sociedade das Nações, do mesmo modo que a França, o Reino Unido e a Alemanha procuraram fazer da organização internacional o cerne da sua actividade diplomática. Mas simultaneamente árduo, foi também o trabalho desenvolvido pela Sociedade das Nações no sentido de dar solução aos conflitos regionais; conflitos como o da Alta Silésia e o da Albânia. Por um lado, o problema da Alta Silésia foi amplamente discutido nas negociações do Tratado de Versalhes e, após o falhanço de uma solução concertada das Forças Aliadas, o problema foi encaminhado para a Sociedade das Nações que, em Agosto de 1921, pretendeu resolver o conflito de forma directa através da criação de uma Comissão para estudar o problema. Em Novembro do mesmo ano, decidiu-se a realização de uma Conferência em Genebra para negociar uma possível solução entre a Alemanha e a Polónia - os principais incluídos no problema da Alta Silésia. Um acordo final foi alcançado ainda no mesmo ano que, após a realização de cinco sessões, entendeu atribuir a maior parte da região da Alta Silésia à soberania alemã e o restante à soberania polaca. Por outro lado, a questão da Albânia estava ainda em aberto e as suas fronteiras não haviam sido definidas durante a Conferência de Paz de 1919 pelo que, uma decisão sobre o problema, ficaria exclusivamente a cargo da Sociedade das Nações. Em Setembro de 1921 uma decisão formal ainda não tinha sido tomada e a situação agravava-se progressivamente: a instabilidade de fronteiras causava uma situação instável na região balcânica e as tropas gregas lançavam-se repetidamente no território albanês. Ainda no mesmo ano a Sociedade das Nações entendeu a criação de uma Comissão para decidir o conflito, que viria a pronunciar-se no sentido de manter as fronteiras estabelecidas para o território em 1913. Ainda nesta linha, o trabalho da Sociedade das Nações viria a revelar-se profícuo na resolução de outros conflitos: a definição da soberania da província otomana do Mosul, actual Iraque e Síria. A definição de fronteiras numa região que durante milénios não as teve, e que possibilitou às populações regionais o desenvolvimento da migração como uma forma particular de vida, encerrava-as agora num espaço concreto e arrastaria o problema para a nossa contemporaneidade: o Médio Oriente é, ainda, uma questão que exige resolução.
Todavia, seria insuficiente que as questões regionais ficassem apenas resolvidas por intermédio de tratados e acordos multilaterais. Sinónimo da vanguarda do seu tempo, a Sociedade das Nações procurou estar ao lado daqueles que, particularmente, sairiam mais fragilizados dos conflitos regionais e, neste sentido, assumiria uma postura verdadeiramente humanitária. Assim, viriam a assumir uma dimensão considerável, não só no primeiro pós-guerra, mas praticamente durante todo o período de trabalho da Sociedade das Nações (1919-1939), todas as questões relacionadas com os refugiados e os apátridas. Assumido o problema, a Sociedade das Nações viria a criar por deliberação própria um Comité Especializado para os Refugiados. De facto, no final da I.ª Guerra Mundial o número de refugiados e apátridas tinha disparado, não só devido aos conflitos armados, mas também porque os Impérios que anteriormente englobavam diferentes nacionalidades deixaram de existir. A Rússia e a Alemanha foram os países onde este drama humanitário viria a assumir maiores proporções: com o desmembramento do Império Alemão, o princípio da auto-determinação revelar-se-ia controverso quando se tornou constatável que, por um lado, um terço dos habitantes da Polónia não falavam e não se sentiam polacos e, por outro lado, que a Checoslováquia era uma colecção de minorias de cujos 10 milhões de habitantes faziam parte 3 milhões de checos, 2,5 milhões de eslovacos, 1 milhão de húngaros, meio milhão de rutenos e mais de 3 milhões de alemães - a maioria da população checoslovaca era, de facto, alemã; na Rússia, por seu turno, existiam entre 2 a 3 milhões de ex-prisioneiros de Guerra e, desse total, cerca de 425.000 foram auxiliados pelo Comité para os Refugiados a regressar a casa. Neste sentido, o Comité criado pela Sociedade das Nações revelar-se-ia uma estrutura disposta a trabalhar e a cuidar dos interesses dos refugiados, nomeadamente no que respeitava à supervisão do seu repatriamento e, quando tal não posse possível, na procura de um estatuto jurídico para os indivíduos sem nacionalidade: entre 1920 e 1921, Fridtjof Nansen (1861-1930) presidiu à comissão executiva do Comité para os Refugiados que, sob a sua direcção trabalhou, não só na organização e no supervisionamento do repatriamento de cerca de 450.ooo prisioneiros de guerra e refugiados, mas também no desenvolvimento de um passaporte - o Passaporte Nansen - que se constituiria como um mecanismo jurídico internacional de identificação dos apátridas, documento que permitiu solucionar em grande número o seu problema. O trabalho humanitário desenvolvido na Sociedade das Nações valer-lhe-ia, em 10 de Dezembro de 1922, o Prémio Nobel da Paz.

Bibliografia de referência:
 - HOUSDEN, Martyn, The League of Nations and the Organization of Peace, London, Longman, 2012;
 - HUNTFORD, Roland, Nansen, London, Abacus, 2001;
 - MARRUS, Michael R. & ZOLBERG, Aristide R., The Unwanted: European Refugees from the First World War Trough the Cold War, Philadelphia, Temple University Press, 2002.

quarta-feira, 4 de julho de 2012

Uma História com 236 anos: A Declaração de Independência dos Estados Unidos da América

"Declaration of Independence" por John Trumbull (1756-1843). Óleo sobre a tela. 1819
Estados Unidos da América, Washington D. C., Capitólio
"IN CONGRESS, July 4, 1776.
The unanimous Declaration of the thirteen united States of America,
When in the Course of human events, it becomes necessary for one people to dissolve the political bands which have connected them with another, and to assume among the powers of the earth, the separate and equal station to which the Laws of Nature and of Nature's God entitle them, a decent respect to the opinions of mankind requires that they should declare the causes which impel them to the separation.
We hold these truths to be self-evident, that all men are created equal, that they are endowed by their Creator with certain unalienable Rights, that among these are Life, Liberty and the pursuit of Happiness.--That to secure these rights, Governments are instituted among Men, deriving their just powers from the consent of the governed, --That whenever any Form of Government becomes destructive of these ends, it is the Right of the People to alter or to abolish it, and to institute new Government, laying its foundation on such principles and organizing its powers in such form, as to them shall seem most likely to effect their Safety and Happiness. Prudence, indeed, will dictate that Governments long established should not be changed for light and transient causes; and accordingly all experience hath shewn, that mankind are more disposed to suffer, while evils are sufferable, than to right themselves by abolishing the forms to which they are accustomed. But when a long train of abuses and usurpations, pursuing invariably the same Object evinces a design to reduce them under absolute Despotism, it is their right, it is their duty, to throw off such Government, and to provide new Guards for their future security.--Such has been the patient sufferance of these Colonies; and such is now the necessity which constrains them to alter their former Systems of Government. The history of the present King of Great Britain is a history of repeated injuries and usurpations, all having in direct object the establishment of an absolute Tyranny over these States. To prove this, let Facts be submitted to a candid world.

(...)

In every stage of these Oppressions We have Petitioned for Redress in the most humble terms: Our repeated Petitions have been answered only by repeated injury. A Prince whose character is thus marked by every act which may define a Tyrant, is unfit to be the ruler of a free people.
Nor have We been wanting in attentions to our Brittish brethren. We have warned them from time to time of attempts by their legislature to extend an unwarrantable jurisdiction over us. We have reminded them of the circumstances of our emigration and settlement here. We have appealed to their native justice and magnanimity, and we have conjured them by the ties of our common kindred to disavow these usurpations, which, would inevitably interrupt our connections and correspondence. They too have been deaf to the voice of justice and of consanguinity. We must, therefore, acquiesce in the necessity, which denounces our Separation, and hold them, as we hold the rest of mankind, Enemies in War, in Peace Friends.
We, therefore, the Representatives of the United States of America, in General Congress, Assembled, appealing to the Supreme Judge of the world for the rectitude of our intentions, do, in the Name, and by Authority of the good People of these Colonies, solemnly publish and declare, That these United Colonies are, and of Right ought to be Free and Independent States; that they are Absolved from all Allegiance to the British Crown, and that all political connection between them and the State of Great Britain, is and ought to be totally dissolved; and that as Free and Independent States, they have full Power to levy War, conclude Peace, contract Alliances, establish Commerce, and to do all other Acts and Things which Independent States may of right do. And for the support of this Declaration, with a firm reliance on the protection of divine Providence, we mutually pledge to each other our Lives, our Fortunes and our sacred Honor."

(transcrição abreviada)

Bibliografia de referência:
 - The Declaration of Independence and the Constitution of the United States (ed. P. Maier), New York, Bantam Classics, 1999.

Sites de interesse:
 - The Charters of Freedom: http://www.archives.gov/exhibits/charters/
 - National Archives: http://www.archives.gov/

segunda-feira, 2 de julho de 2012

A falência do paradigma Versalhes e a posição dos Estados Unidos da América.

Thomas Woodrow Wilson (1856-1924), 28.º Pre-
sidente dos Estados Unidos (1912-1931).
Retrato oficial, Casa Branca.
"Gentlemans of the Congress:
Once more, as a repeatedly before, the spokesman of the Central Empires have indicated their desire to discuss the objects of the war and the possible bases of a general peace. (...) It will be our wish and purpose that the processes of peace, when they are begun, shall be absolutely open and that they shall involve and permit henceforth no secret understandings of any kind. The day of conquest and aggrandizement is gone by; (...) It is this happy fact, now clear to the view of every public man whose thoughts do not still linger in an age that is dead and gone, which makes it possible for every nation whose purposes are consistent with justice and the peace of the world to avow now or at any other time the objects it has in view. We entered this war because violations of right had occurred which touched us to the quick and made the life of our own people impossible unless they were corrected and the world secured once for all against their recurrence. What we demand in this war, therefore, is nothing peculiar to ourselves. It is that the world be made fit and safe to live in; (...). The programme of the world's peace, therefore, is our programme; and that programme, the only possible programme, as we see it, is this (...).
Foram estas as palavras com que Woodrow Wilson dirigiu e endereçou ao Congresso dos Estados Unidos, em 8 de Janeiro de 1918 - e apresentados posteriormente pela delegação americana em Versalhes -, os "Catorze Pontos para a Paz". Terminado o conflito armado de 1914-1918 tornou-se imperativo estabelecer um novo paradigma que moldasse as relações internacionais entre os Estados. Embora a Conferência de Paz de Paris pretendesse ao máximo concretizar um novo modelo de relacionamento entre as Potências vencedoras e vencidas que, em princípio, teria acolhimento no principal documento aí produzido - o Tratado de Versalhes -, as negociações de Paz obedeceram ainda a uma lógica de interesse próprio dos Estados, ao mesmo tempo que reflectiam uma combinação própria de poderes em relação aos quais as Potências Aliadas não estavam dispostas a abdicar. De facto, o Presidente W. Wilson desempenhou um papel crucial nas negociações de Paz, não só porque uma nova posição estratégica nas relações internacionais vinha a ser reivindicada pelos Estados Unidos da América desde a presidência de Theodore Roosevelt (1858-1919), mas sobretudo porque W. Wilson foi o único chefe de Estado a sair dos conflitos armados com uma combinação particular de poder político, económico e militar, algo que lhe terá permitido apresentar nas negociações de Versalhes uma ordem de trabalhos concreta capaz de respeitada, de certo modo, pelas restantes Nações - ainda em 1917, pouco tempo depois de os Estados Unidos intervirem no primeiro conflito mundial, W. Wilson escreveu a um dos seus conselheiros para a política externa, o Coronel Edward M. House (1858-1938), que "quando a guerra acabar, podemos forçá-los a aceitar a nossa maneira de pensar, porque então estarão, entre outras coisas, financeiramente nas nossas mãos". Assim, os "Catorze pontos para a Paz" devem ser tidos em conta, não como algo que tenha sido efectivado na sua totalidade, mas como algo que reflectia, simultaneamente, a posição estratégica dos Estados Unidos no primeiro pós-guerra e aquilo que se propunha, do lado norte-americano, como um novo paradigma internacional tendente à construção de um novo equilíbrio global. A nova proposta global preconizada pelos "Catorze Pontos para a Paz" foi, desde logo, preconizada em dois graus: por um lado, oito pontos da proposta norte-americana teriam de ser imediatamente concretizados como condição para um regresso imediato à Paz - uma diplomacia aberta, liberdade marítima, desarmamento geral, retirada de barreiras comerciais, decisão imparcial quanto às pretensões coloniais, independência da Bélgica, evacuação do território russo e, coroando os pontos obrigatórios, a criação de um organismo internacional e não apenas europeu para a manutenção da paz, a Sociedade das Nações; por outro lado, os restantes seis pontos constituiam uma manifestação daquilo que o Presidente W. Wilson entendeu serem questões fracturantes no contexto europeu e que deviam ser solucionadas no âmbito da liberdade negocial dos próprios Estados europeus: a restituição da Alsácia e Lorena à soberania francesa, autonomia para mas as minorias nacionais integradas nos Impérios desfeitos, o reajustamento das fronteiras da Itália, a evacuação dos Balcãs, a internacionalização dos Dardanelos e a criação de uma Polónia independente com livre acesso ao mar.
Neste sentido, os Estados Unidos puseram à margem questões de interesse exclusivo dos Estados europeus e, ao contrário de países como a França, não insistiram numa óptica obstinada em que vitória da guerra deveria assentar num aniquilamento total da Alemanha e dos seus aliados. Assim, ficaria consubstanciado na Conferência de Paz de 1919, não só uma necessidade de retorno à paz com que os Estados Unidos confrontaram a Europa, mas também uma vitória clara das Democracias ocidentais num cenário que, assim construído, pretendia por os dois pratos da balança a funcionar em uníssono: a criação de um organismo internacional que não estivesse subordinado exclusivamente aos interesses da Europa constiuía, de facto, um novo paradigma; um paradigma que, preconizando um modelo de segurança como forma de manutenção da paz, garantia, ao mesmo tempo, a segurança necessária para um desenvolvimento completo das Democracias. Este era, deste modo, o mundo e o modelo planeado por W. Wilson, algo que invertia não só uma estratégia até então preconizada nas relações internacionais, mas que invertia também a própria História: para além de legitimar a intervenção americana no conflito mundial, o que W. Wilson pretendia construir era um mundo em que as relações entre os Estados actuassem com base em princípios morais, princípios contidos em actos legais que substituíriam em definitivo as lógicas de poder e os conflitos de interesse entre os Estados; de uma outra maneira - e não devemos esquecer que W. Wilson era também um Historiador - a História a contar deixaria de ser apenas a História dos vencedores; os vencidos teriam também uma palavra a dizer no processo histórico e era tão necessário contar a sua História, como a daqueles que os venceram.
Contudo, apesar da grandiosidade que representaram os trabalhos de paz, as obras que daí surgiram foram demasiado claudicantes e, neste sentido, era inevitável que as tentativas de paz se revelassem tão inúteis como as expectativas com que os países se tinham lançado na hecatombe armada; não só porque na Europa se convencionou o aniquilamento alemão como uma condição vital para a sobrevivência e a manutenção da paz, mas porque os Estados Unidos da América, uma potência vital para o equilíbrio geoestratégico do novo paradigma internacional, nunca chegaram a integrar com efectividade o Tratado de Versalhes e o novo organismo internacional que propuseram. Assim, um dos principais vectores de falência do paradigma Versalhes consistiu nos mecanismos constitucionais de ratificação dos Tratados. Seria conveniente, a partir daqui, e para garantir uma legitimidade alargada, que as principais Potências vencedoras ratificassem o Tratado de Versalhes, algo que não ocorreu nos Estados Unidos. De facto, um dos principais problemas que se colocou à validade do Tratado de Versalhes nos Estados Unidos foi, de um modo geral, o facto de se fazer recair sobre o Senado o mecanismo de ratificação: as eleições para o Senado deram, em 1918, vitória ao Partido Republicano - a oposição de W. Wilson - que não concebeu uma estratégia internacional nos mesmos moldes e, neste sentido, a ratificação do Tratado foi bloqueada por duas vezes consecutivas, a última em 19 de Março de 1920. Os Estados Unidos estavam, assim, fora do paradigma de Versalhes e, ao mesmo tempo, fora da Sociedade das Nações. Embora fosse possível encontrar no Senado alguns partidários das posições de W. Wilson, que procuravam uma solução pacífica para a Alemanha baseada no desenvolvimento democrático e na prosperidade económica, criticando de forma insistente a quantidade de imposições financeiras a que a Alemanha estava sujeita, foi necessário negociar uma paz separada e bilateral com a Alemanha através do Tratado de Berlim em 1921. Por outro lado, a Europa não estava ainda preparada para uma estratégia internacional baseada no idealismo próprio dos princípios morais; agarrada ainda a um estilo aristocrático de diplomacia de salão onde era típico, não só a peneira da conspiração, mas também os acordos secretos, uma larga maioria das Nações europeias, embora aderísse, nunca foi verdadeiramente capaz de conceber a criação de uma organização internacional que viesse, em muitos domínios, substituir o poder soberano dos próprios Estados naquilo que era a sua autoridade em termos internacionais. Em 11 de Novembro de 1918, data do Armistício de Compiégne, David Lloyd George (1863-1945) disse, a propósito do cessar-fogo: "Espero que possamos dizer que assim, nesta manhã decisiva, todas as guerras chegaram ao fim."; em 1936, durante uma visita à Alemanha e após uma reunião com Adolf Hitler (1889-1945) disse: "Eu jamais encontrei povo mais feliz do que o alemão, e Hitler é um de entre os grandes Homens.". Se era a sua convicção ou uma incapacidade de se contradizer numa época em que a Europa se precipitava numa nova guerra, não me cabe a mim fazer juízo. Contudo, teve oportunidade de testemunhar a realidade e o contraditório da sua paz falhada.

Bibliografia de referência:
 - COOPER, John Milton, Woodrow Wilson: a biography, New York, Vintage Books, 2011;
 - GRAEBNER, Norman A., The Versailles Treaty and its Legacy: The Failure of the Wilsonian Vision, New York, Cambridge University Press, 2011;
 - KISSINGER, Henry, Diplomacia, Lisboa, Gradiva, 1996.

Sites de interesse:
- Woodrow Wilson Presidential Library

terça-feira, 26 de junho de 2012

Anne Frank, an unfinished story.


http://www.ushmm.org/museum/exhibit/online/af/htmlsite/index.html

Alemanha: o "pesadelo inflacionista" do primeiro pós-Guerra.

O primeiro pós-Guerra confrontou a Europa com problemas que não tinham tido, até então, precedentes. Embora muitas dessas questões tivessem uma natureza política, certo é que, uma outra parte considerável desses problemas estava ligada a questões de natureza económica que atirariam a Europa, de um modo geral, para um período de grande instabilidade. Pelo seu impacto financeiro, bem como pela desorganização geral que os conflitos armados provocaram na generalidade das economias e dos sistemas financeiros europeus, o preço da Guerra foi, indubitavelmente, elevado: depauperados pela Guerra, a maior parte dos países europeus colocou-se perante uma difícil situação de reconstrução e reconversão económicas que, no limite, originariam uma espiral de endividamento - público e privado; interno e externo - a que se associou, como consequência, um problema de desvalorização monetária. A conjugação destes factores acabaria por lançar a Europa, pela primeira vez, para um problema macroeconómico que, para além de não merecer a atenção da generalidade dos economistas, era pouco conhecido. Estamos a falar da Inflação que, em Economia, representa um contínuo e generalizado aumento dos preços face a uma queda significativa do poder de compra.
O século XIX é o século da industrialização. De facto, a Revolução Industrial possibilitaria aos países europeus com tradições mais liberais o desenvolvimento de um modelo económico - o Capitalismo - que se estruturasse na iniciativa privada e na livre circulação de capitais, pessoas e bens. Embora a generalidade dos países tenham conhecido um considerável surto de desenvolvimento económico no século XIX e no início do século XX, a verdade é que esse crescimento não foi contínuo: a economia de mercado do século XIX esteve sujeita a regulares e periódicas flutuações de mercado, algo que se traduziria, não só numa crítica ao próprio sistema como um modelo que estaria condenado à auto-destruição, mas nas primeiras crises que afectariam as principais economias europeias. Estas crises - cíclicas e periódicas - eram ainda, contudo, estruturais, típicas de um capitalismo que estava ainda a desenvolver-se longe da esfera de intervenção do Estado. Deste modo, a inflação como fenómeno macroeconómico é praticamente desconhecida no século XIX e mesmo antes do primeiro pós-Guerra, altura em que se torna um fenómeno recorrente nas economias europeias.
A Paz de Versalhes impôs pesadas sanções económicas, não só sobre a Alemanha, mas também sobre os seus aliados de guerra: a Áustria e a Hungria. Contudo, viria a ser a Alemanha a quem iria caber a penosa tarefa de se estrear no "pesadelo" da inflação que, aqui, teve proporções especialmente dramáticas: quando a delegação alemã em Versalhes assinou um Tratado que não negociou, mas que lhe foi imposto, a Alemanha estava à beira da bancarrota. Como se não fosse suficiente a derrota e a bancarrota originada pelo esforço de guerra, as Potências Aliadas, em virtude de cláusulas de culpa, impuseram ao país um pesado esforço financeiro para que pudesse proceder ao pagamento das indemnizações e reparaçõesa que estava obrigado internacionalmente - quando em 1921 as Potências Aliadas fixam o montante das indemnizações em 132 biliões de marcos, esse valor correspondia, grosso modo, a metade da riqueza total do país. Este problema teria, por seu turno, uma agravante: para proceder ao pagamento dos valores a que estava obrigada a Alemanha estava impedida, pelo Tratado, de recorrer ao crédito de outros países, ao contrário do Reino Unido e da França que, na qualidade de países indemnizados, podiam recorrer ao mercado de crédito através de condições particularmente vantajosas. O governo alemão teve, portanto, de encontrar uma solução concreta e, neste sentido, o que se afigurou mais prático foi recorrer ao mecanismo de emissão de moeda, ou seja, produção de mais dinheiro. Com a emissão considerável de moeda, o problema económico alemão teve uma dimensão ainda maior: o aumento da produção de moeda veio, na prática, alimentar a já grave crise inflacionista do pós-Guerra num contexto em que a quantidade de moeda em circulação era desmesuradamente desproporcional à quantidade de bens disponíveis.
Ao contexto macroeconómico de inflação veio juntar-se, como consequência, um problema concreto de desvalorização monetária que se tornava cada vez mais evidente quando, no mercado cambial, o marco alemão era comparado a outras moedas fortes da época: a Libra e o Dólar. No começo de 1922, um dólar americano valia 200 marcos alemães. No final desse mesmo ano, já valia 10.000 marcos. Quando a França e a Bélgica ocuparam a rica zona industrial do Ruhr, estava preparada uma hecatombe na economia alemã: em Julho de 1923 era preciso um milhão de marcos para comprar um dólar americano; no final de Setembro já eram necessários 160 milhões de marcos e, em Novembro, vários biliões - o índice de inflação na Alemanha tinha variado, entre 1919 e 1923, um trilião por cento. A este ritmo alucinante, tornou-se necessário manter o que era já um movimento "normal" da economia, não só para assegurar a continuidade do pagamento das indemnizações, mas para alimentar um sistema financeiro que estava á beira do colapso. Deste modo, trezentas fábricas de papel consignavam toda a sua produção à alimentação de cerca de cento e cinquenta tipografias onde rodavam, dia e noite, duas mil prensas de notas. Numa economia decapitada, até os munícipios e as empresas receberam do governo alemão o direito de fabricar moeda, uma moeda que servia agora, não só para brincadeira de crianças, mas também para ser queimada nas salamandras das habitações para as aquecer nos Invernos mais rigorosos.
A situação conheceu alguma estabilidade logo no final de 1923 e a partir de 1924. A Chancelaria de Gustav Stresemann (1878 - 1929) conseguiu dominar um clima latente de instabilidade e restaurar alguma credibilidade ao sistema financeiro e monetário: o crédito foi brutalmente restringido e a Alemanha passou a adoptar uma robusta política de disciplina orçamental. Todavia, não devemos descurar as posições de outros países que se aperceberam da gravidade e daquilo que podia representar o problema económico alemão. Por um lado, o Reino Unido nunca se opôs ao pagamento de indemnizações pela Alemanha, mas conseguiu aperceber-se de que a ruína constante da economia alemã era prejudicial para a economia britânica e podia levar, por arrasto, ao colapso da economia europeia; por outro lado, os Estados Unidos sempre adoptaram uma posição própria em relação à Alemanha, o que os levou, não só a negociar uma paz separada com os alemães - Tratado de Berlim de 1921 -, mas também a adoptar uma política diferente face à situação económica quando se aperceberam que a eminência de colapso da economia europeia podia começar na Alemanha e alastrar-se, consequentemente, aos Estados Unidos. Porém, os efeitos da inflação foram muito mais duradouros do que a própria inflação: a economia alemã levaria anos a recuperar e, bem assim, o descrédito da República de Weimar tornou-se latente e tão progressivo que, quando em 1929 rebenta a primeira grande crise económica mundial, voltam à tona velhos problemas e velhas crises - a Alemanha estava à beira de rejeitar o Tratado de Versalhes e as condições que lhe foram impostas. Mas os efeitos permaneceram e o povo alemão nunca esqueceu aqueles dias. A inflação na Alemanha não é só um problema macroeconómico; é um trauma.

Bibliografia de referência:
 - FELDMAN, Gerald D., The Great Disorder: Politics, Economics and Society in the German Inflation, 1914-1924, Oxford, Oxford University Press, 1997;
 - FERGUSSON, Adam, When Money Dies: The Nightmare of Deficit Spending, Devaluation and Hyperinflation in Weimar Germany, London, PublicAffairs, 2010;
 - KEYNES, John Maynard, The economic consequences of Peace, London, CreateSpace, 2011.

segunda-feira, 25 de junho de 2012

Sociedade das Nações: o Comité para o Estudo do Estatuto Jurídico da Mulher (1938)

O movimento sufragista em Nova Iorque - 1912
A criação de um Comité especializado para estudo do estatuto jurídico da mulher e para a discussão do seu papel na Sociedade prossegue um movimento geral que reconhece, por um lado, o papel cada vez mais mais interventivo das mulheres e, por outro lado, a necessidade de incorporar no sufrágio univeral das Democracias liberais uma camada da Sociedade que discutia e reivindicava um papel cada vez mais interventivo nos processos políticos. De facto, o pensamento sufragista baseava-se num ideal democrático igualitário daquilo que deveria ser o "universo" do sufrágio universal. Assim, a mulher de finais do século XIX e inícios do século XX reconhece-se progressivamente não representada por leis e disposições legais que não discute e que não vota, mas que lhe são impostas. Era esta e essência do Movimento Sufragista e daquilo que as próprias sufragistas propugnavam: a reivindicação; a procura pelo estabelecimento do pleno exercício dos direitos civis e políticos das mulheres.
Foram pioneiras deste movimento mulheres como Hubertine Auclert (1848 - 1914), pioneira do movimento em França que, em 1881, lança e dirige uma revista mensal - La Citoyenne - que vociferava em defesa da emancipação das mulheres e do seu livre exercício de direitos. No Reino Unido, é impossível deixar de ter em conta o papel siginificativo de Emmeline Pankhurst (1858 - 1928), fundadora e personificadora do movimento sufragista britânico através da Women's Social and Political Union (1898), uma organização que se particularizou for um forte intervencionismo dentro das instituições políticas. Quando morreu em 1928 a sua conquista tinha sido realizada: as mulheres eram, no Reino Unido, cidadãs de pleno direito.
O Comité para o Estudo do Estatuto Jurídico da Mulher foi, de um modo geral, ambicioso: procurou fazer um trabalho exaustivo sobre aquilo que era e deveria ser o estatuto da mulher na Sociedade. Contudo, não deixaria de ser irónico que a maioria do Comité fosse integrado por homens e apenas três mulheres. Apesar da ambição, os trabalhos desempenhados foram praticamente infrutíferos: tendo sido formado em Abril de 1938, acabaria por ser dissolvido no início de 1939. A Sociedade das Nações era já um organismo internacional incapaz e cada vez mais alvo de descrédito. O mundo estava prestes a precipitar-se numa nova Guerra Mundial.

Esta publicação é dedicada à Rita Rente.

domingo, 24 de junho de 2012

Porque a História também são imagens.




"Success is not final, failure is not fatal: it is the courage to continue that counts"

Sir Winston Leonard Spencer Churchill (1874 - 1965)

Alemanha 1919-1923: em torno de questões territoriais, militares e económicas.

Uma demonstração de protesto do povo alemão frente ao Reichstag perante a eminência de assinatura do TratadoVersalhes.
Berlim, 15 de Maio de 1919.
Mais do que uma simples fotografia o que temos na imagem superior é um espelho que nos fornece, não só o sentimento alemão, mas também a verdadeira dimensão do seu problema. Optando por uma linha de continuidade da publicação anterior, quando dissémos que a estratégia diplomática para a Paz se concretizou, na prática, numa opção por estabelecer uma cláusula culposa de guerra para os germânicos, devemos centrar-nos exclusivamente na dimensão do problema sob a perspectiva alemã. A imagem apresentada revela-nos mais do que uma manifestação de indivíduos anónimos perante uma situação que se agravava em cada escalada; ela revela-nos a própria essência do século XX: as massas, os debates, os extremos. De facto, a assinatura do Tratado de Versalhes foi seguida - embora a delegação alemã em Paris tivesse sido colocada em condições que impossibilitavam qualquer tipo de negociação - de um amplo debate entre as lideranças políticas alemãs mas, apesar de uma necessidade demonstrada em debater e em propror opções para a Paz europeia, os Aliados mostraram-se inflexíveis e souberam usar de uma posição de fragilidade alemã em proveito próprio: no mês de Junho de 1919 apresentaram ao governo alemão um ultimatum estabelecendo um clausulado em que a ou Alemanha assinaria e aceitaria sem reservas as condições de paz impostas pelo tratado ou as hostilidades, perante um cenário de recusa dos alemães em assinar o Tratado, seriam imediatamente retomadas. Deste modo, o que temos é uma estratégia de paz que opta pelo enfraquecimento alemão territorialmente, militarmente e economicamente.
O antigo Império Alemão - II.º Reich -, que entretanto havia sido dissolvido em 1918 e substituído por uma República parlamentar em 1919, incorporava comunidades e Nações das quais se veria forçado a abdicar, não só porque se estabeleceu na Paz de Versalhes um princípio de autodeterminação das nacionalidades submetidas aos Impérios, mas porque uma das cláusulas do Tratado de Versalhes isso mesmo estabeleceu e impôs aos alemães. Neste sentido, a Alsácia e a Lorena - incorporadas na Alemanha pelo Tratado de Frankfurt (1871) após a vitória na Guerra Franco-Prussiana - seriam reintegradas na soberania francesa (artigo 51.º do Tratado de Versalhes). De outro modo, a Alemanha seria obrigada a reconhecer e a respeitar a independência da Áustria, algo a que se associou uma obrigatoriedade de reconhecer que esta independência seria inalienável sem o consentimento da Sociedade das Nações - disposição confirmada pelo Tratado de Saint-Germain-en-Laye (1919) para evitar uma tentativa de Anchluss entre os dois territórios (artigo 80.º do Tratado de Versalhes). A Alemanha seria obrigada, do mesmo modo, a reconhecer a completa independência da Checoslováquia e da Polónia (artigos 81.º e 87.º do Tratado de Versalhes). O Tratado de Versalhes confirmaria ainda uma total disciplina sobre outros territórios alemães: a Jutlândia do Sul seria devolvida à Dinamarca se assim fosse decidido por um plebiscito na região; as cidades de Eupen e Malmedy seriam restituídas à Bélgica; a província do Sarre seria entregue a um mandato da Sociedade das Nações por um período de quinze anos e, finalmente, a cidade de Danzig (actualmente Gdansk) foi transformada na Cidade Livre de Danzig sob tutela directa da Sociedade das Nações. As imposições territoriais foram, todavia, para além dos territórios europeus: de facto, a Alemanha foi obrigada a renunciar, em favor das principais Potências Aliadas, a todos os direitos e títulos de soberania sobre as possessões ultramarinas (artigo 119.º do Tratado de Versalhes) algo que se verificou, não apenas através de uma transferência directa de direitos de soberania para os Aliados, mas também através de mandatos concedidos à Sociedade das Nações.
Contudo, para além de soberana de um vasto território, a Alemanha era uma potência a nível militar. Tornou-se evidente que, de acordo com uma estratégia de pacificação pelo enfraquecimento da Alemanha, também as sanções impostas pelo Tratado de Versalhes se destinavam a enfraquecer o poder militar alemão. Neste sentido, a Alemanha ficaria expressamente proibida de manter ou construir fortificações na margem esquerda e direita do Reno bem como seria proibida de conservar ou manter forças armadas neste território, a título vitalício ou temporário (artigos 42.º e 43.º do Tratado de Versalhes). Por outro lado, a Alemanha foi obrigada a desmobilizar as suas forças armadas e a reduzi-las às condições tipificadas no Tratado de Versalhes (artigo 159.º). A contradição deste clausulado traduzir-se-ia, caso fosse verificável, na consideração da Alemanha como uma ameaça à Paz mundial (artigo 44.º do Tratado de Versalhes). A construção deste cenário confirmou, verdadeiramente, uma circunstância vexatória para a Alemanha: as Potências Aliadas não tinham qualquer intenção de que o Reichswehr (exército) se mantivesse forte e, portanto, a Alemanha seria desarmada, privada de uma força aérea, armas pesadas, tanques e de uma marinha de guerra - dos 74 navios aprisionados pelos britânicos em Scapa Flow, 70 foram ao fundo por ordens expressas, proferidas em 21 de Junho de 1919, do contra-Almirante Ludwig von Reuter que, sabendo da assinatura do Tratado de Versalhes, recusou render-se e entregar os navios à marinha de guerra britânica. O exército alemão ficaria, então, reduzido a um corpo de 100.000 voluntários.
Desde o final do século XIX que a Alemanha se havia constituído como a principal potência industrial da Europa. Era evidente que, aniquilando a Alemanha economicamente, o país se tornaria no elo mais fraco do jogo das Nações e  a sua preponderância em termos internacionais seria irrelevante. Neste sentido, a estratégia de culpabilização da Alemanha repercutiu-se, também, no campo económico quando se convencionou impor à Alemanha o pagamento de indemnizações por todos os danos causados pela Guerra. De facto, o Tratado de Versalhes estabeleceu uma cláusula de culpa de guerra e estipulou que a Alemanha e todos os seus aliados seriam responsáveis pelos danos e prejuízos sofridos pelos governos dos Aliados, em consequência de uma guerra que não pediram mas que lhes foi antes imposta. Assim, a Alemanha ficaria obrigada ao pagamento de indemnizações e reparações de guerra: o valor das indemnizações foi decidido por uma comissão especializada para o efeito e criada, em 1919, pelo Tratado de Versalhes tendo como intermediários as principais Potências Aliadas. No ano de 1921 o valor monetário foi oficializado em 269 biliões de marcos alemães, dos quais 226 biliões seriam a parcela principal a que se somariam mais 12% do valor das exportações anuais alemãs. Ainda no mesmo ano essa dívida foi reduzida para 132 biliões de marcos que os Aliados não se cansavam de exigir, o que era, ainda, uma soma astronómica para o produto interno e para os economistas alemães. O Tratado de Versalhes impôs também à Alemanha o dever de distribuir carvão às Potências, e a França, por seu turno, não se poupava a exigências: já que os conflitos haviam destruído grandes minas de carvão em solo francês, a França exploraria durante um período de 15 anos uma grande parte das reservas de carvão alemãs (sobretudo as do Ruhr) como compensação por aquelas que estes lhes tinham destruído. Contudo, o Presidente W. Wilson não desejava este tipo de comportamento dos Aliados face à Alemanha e gastou muito do seu tempo a arquitectar uma solução para conter os impulsos punitivos dos Aliados. De outro modo, a Grã-Bretanha adoptaria uma posição sui generis na realpolitik internacional: fazendo finca-pé na defesa dos seus interesses económicos, não foi contra o pagamento de indemnizações pela Alemanha, mas depressa  se apercebeu que uma Alemanha arruinada jamais seria capaz de importar produtos britânicos.
De facto, foram necessários dez anos, uma hiperinflação ruinosa para a Alemanha e uma depressão económica a nível mundial para levar os Aliados, num derradeiro acto de consciência, a recuar. Na década de 30 já era demasiado tarde - as imposições feitas à Alemanha e as contradições inerentes às condições do Tratado de Versalhes tornar-se-iam tão óbvias que, a prazo, só se poderiam traduzir num comportamento: o não cumprimento dessas mesmas condições. A Europa tomou a atitude esquizofrénica de fantasiar um monstro; um monstro tão sonhado, tão pensado, que ela própria o criou. Os tratados e os armistícios ditos de "paz e amizade" pretenderam criar uma Europa em Paz; mas a paz assentou mais numa ausência efectiva de guerra do que numa convivência pacífica e harmoniosa entre as Nações e era, por isso, relativa. Os acordos internacionais foram, portanto, demasiado frágeis e insuficientes para resolver os problemas decorrentes da guerra e mesmo aqueles que foram herdados antes do seu começo: o descrédito dos acordos, das organizações e das próprias lideranças associados a um empobrecimento contínuo da Alemanha foram uma das consequências mais desastrosas do paradigma de Versalhes e John Maynard Keynes (1883-1946) escrevia, já em 1919, em The Economic consequences of Peace, "Estamos na época morta dos nossos destinos. Fomos levados para lá da resistência, e precisamos de descansar. Nunca na vida dos homens a chama do elemento universal ardeu tão baixo na alma humana. (...) Quem pode dizer quanto podem aguentar os homens, ou em que direcção irão eles procurar, por fim, escapar aos seus infortúnios?" Infelizmente, a questão teve resposta.

Bibliografia de referência:
 - The Treaty of Versailles (ed. Manfred F. Boemeke), New York, Cambridge University Press, 2006;
 - ANDELMAN, David A., A Shattered Peace: Versailles 1919 and the price we pay today, New Jersey, John Wiley & Sons, 2008;
 - GRAEBNER, Norman A. & BENNETT, Edward M., The Versailles Treaty and its legacy. The Failure of the Wilsonian Vision, New York, Cambridge University Press, 2011;
 - MACMILLAN, Margaret, Peacemakers - Six months that change the World: The Paris Peace Conference of 1919 and its attempt to end war, London, John Murray, 2003;
 - SHEPLEY, Nick, Britain, France and Germany and the Treaty of Versailles: how the Allies built a flawed peace, London, AUK Authors, 2011;


sábado, 23 de junho de 2012

Diplomacia no início do século XX: o Tratado de Versalhes e a questão alemã.

As negociações diplomáticas durante a Conferência de Paz de 1919, realizada em Paris, após a I.ª Guerra Mundial e a declaração do Armistício de Compiégne (Novembro de 1918) reflectiam aquela que era uma das necessidades mais urgentes no contexto político europeu: o regresso imediato da Paz à Europa depois de conflito armado que, em 1914, foi pensado para ser resolvido numa questão de meses e viria a degenerar numa guerra até então sem precedentes. Mas se esta era uma das necessidades primordiais subjacentes às negociações de paz, o jogo diplomático reflectia, simultaneamente, uma combinação de poder político, económico, militar e, sobretudo, muita ambição. Foi, de facto, na combinação destes poderes que se baseou a autoridade dos "Quatro Grandes" - Estados Unidos da América, Império Britânico, França e Itália -, circunstância que relegaria para os restantes países signatários um papel meramente cerimonial, ao mesmo tempo que conferiria ao texto do tratado uma legitimidade superior às principais potências aliadas que, na qualidade de principais potências vencedoras, sentiram uma necessidade urgente de negociar os suas condições de paz. Embora este conjunto de poderes não estivesse igualmente distribuído pelas principais potências, o presidente norte-americado Woodrow Wilson (1856-1924) combinava-os e, não querendo cair num exagero forçado de considerar que a I.ª Guerra Mundial foi uma benção para os Estados Unidos, não devemos deixar de considerar que constituiu a primeira pedra de toque que marcaria definitivamente a posição hegemónica dos Estados Unidos face à Europa: a Guerra não teve, de facto, as proporções devastadoras que teve na Europa, onde se desenrolaram a maior parte dos confrontos; apenas cerca de 48.000 soldados norte americanos morreram durante a Guerra, um número correspondente a apenas 6% das mortes britânicas. Deste modo, W. Wilson e a combinação de poderes que soube concretizar, desempenharam um papel crucial, não só na elaboração do armistício de 1918, mas também nas futuras negociações de paz, algo baseado na apresentação de uma ordem de trabalhos concreta - "Quatorze Pontos" - que se desejavam ser os principais alicerces de uma nova ordem internacional. Contudo, todos os delegados diplomáticos presentes na Conferência de Paz tinham a sua ordem de trabalhos concreta bem como a consequente ambição de apresentá-la e concretizá-la em nome da defesa de interesses nacionais próprios. Neste sentido, a Conferência de Paz haveria de tornar-se numa amálgama de propostas, muitas delas nitidamente conflituais e confusas, evidência inicial de um dos factores que motivaram a falência do seu paradigma: o exacerbado sentimento nacionalista (ainda demasiado preso aos modelos oitocentistas de construção do Estado-Nação) associado a uma incapacidade de negociação de interesses no quadro internacional.
Não devemos, contudo, ser laxistas ao ponto de considerar que todas as negociações se encetaram em meros actos cerimoniais de diplomacia de salão. De facto, as principais negociações obtidas tiveram consagração no Tratado de Versalhes que se constituiria, a partir de agora, como o novo paradigma nas relações internacionais ao pretender construir um novo equilíbrio global em dois vectores: por um lado, através do urgente e definitivo regresso da Europa à Paz e, por outro lado, através da construção de um modelo onde se pudessem desenvolver verdadeiras Democracias Liberais. Aliás, uma das principais ideias de W. Wilson ao pretender criar uma "Liga das Nações" era, não apenas a manifestação de uma nova corrente em termos de política internacional, mas também a constituição de uma organização mundial e não apenas europeia que fosse ao encontro da seguinte máxima: "(...) the world safe for democracy." (excerto de uma pronunciação dirigida ao Congresso em 2 de Abril de 1917). O que se pretendia, neste sentido, era a criação de um organismo internacional onde a prossecução da segurança permitisse o desenvolvimento das democracias. Neste enquandramento, e ao abrigo de um novo princípio de auto-determinação das comunidades (uma das propostas de W. Wilson), os Impérios Alemão, Austro-Húngaro, Russo e Otomano foram desmembrados e adoptaram modelos baseados no sufrágio universal e em formas republicanas de governo.
Centremo-nos, agora, no que nos trouxe até aqui: as negociações de Paz em torno da questão alemã. O governo imperial alemão, ao reconhecer uma incapacidade de prosseguir o esforço de guerra pediu, em 1918, um armistício; viria a ser assinado em Novembro do mesmo ano em Compiégne e poria termo efectivo aos confrontos bélicos. A Alemanha, ao reconhecer a incapacidade de prosseguir o esforço de guerra reconheceu, na prática, uma situação de sujeição em termos de negociação diplomática e, nesse sentido, as Potências Aliadas tomaram como declaração de princípio que a Alemanha seria declarada como parte culpada pelo que, o Tratado de Versalhes foi apresentado aos alemães em Maio de 1919 sem qualquer intervenção negocial da Alemanha. A prática diplomática, mais do que sintomática do que estaria para vir, foi vexatória: os delegados alemães na Conferência de Paz foram mantidos em condições humilhantes e sem qualquer capacidade de decisão ou negociação, tanto mais que, o chefe da missão diplomática alemã, o conde Ulrich von Brockdorff-Rantzau (1869-1928) terá afirmado: "Aqueles que assinarem este tratado, assinarão a sentença de morte de muitos milhões de alemães: homens, mulheres e crianças." Apesar da afirmação, o Tratado viria a ser assinado por toda a delegação alemã e o seu Ministro dos Negócios Extrangeiros, Hermann Müller (1876-1931), na grande Sala dos Espelhos do Palácio de Versalhes. O acto era simbólico: ali fora proclamado com solenidade o Império Alemão em 1871 após a vitória alemã na Guerra Franco-Prussiana (1870-1871); ali seria - apesar das severes críticas de W. Wilson - humilhada a Alemanha e culpada por todas as desgraças europeias.
As imposições feitas à Alemanha tinham como principal objectivo enfraquecer o país territorialmente, militarmente e economicamente. De facto, a médio / longo prazo, este ideal sobre o qual a Paz deveria assentar no engrandecimento dos vencedores e na humilhação dos vencidos, revelar-se-ia desastroso para a própria manutenção da Paz na Europa. Foram países como a França e a Grã-Bretanha que os defenderam. Por um lado, a França - o país que mais sofreu com a ocupação alemã e onde grande parte dos confrontos militares se desenrolaram -, apenas conseguia conceber uma Paz nos termos de uma Alemanha humilde e enfraquecida. Georges Clemenceau (1841-1929) viveu a ocupação alemã de Paris em 1871 no quadro da Guerra Franco-Prussiana e o comandante supremo Marechal Ferdinand Foch (1851-1929), sabia quão perto a França esteve do colapso em 1918 e, portanto, as suas ideias de Paz residiam em manter uma Alemanha tão fraca quanto possível; por outro lado, a Grã-Bretanha não se mostrou generosa em relação à Alemanha: David Lloyd George (1863-1945) prometera ao seu eleitorado "espremer a Alemanha até as pevides guincharem" e, num plano distinto, a dinastia reinante regenerar-se-ia e deixaria de intitular-se Dinastia de Hannover para passar a intitular-se Dinastia de Windsor numa tentativa clara de afastar a herança germânica da Casa Real britânica. 

Bibliografia de referência:
 - KISSINGER, Henry, Diplomacia, Lisboa, Gradiva, 1994;

quinta-feira, 21 de junho de 2012

Diários pessoais da Rainha Victória, agora online!


Retrato de coroação da Rainha Victória por George Hayter (1792 - 1871) - 1838.


Foi no passado dia 24 de Maio que foram lançados em primeira mão, disponibilizados online  e apresentados pela Rainha Isabel II, toda a colecção de diários pessoais pertencentes à Rainha Victória (1819 - 1901). Apresentados por ocasião de uma dupla comemoração - o aniversário de nascimento da Rainha Victória a 24 de Maio de 1819 e o Jubileu de diamente da actual monarca, Isabel II - toda a colecção de diários pessoais, colocada em formato digital e dactilografado numa página própria, permite concretizar, não apenas um retrato biográfico da soberana, mas também uma completa história do seu reinado que, a par de Luís XIV (1638 - 1715), se concretizou como um dos mais longos reinados da Europa. Os diários disponibilizados online cobrem todo o período de 1832 a 1901 e abrangem episódios como a infância da Rainha Victória, a ascensão ao trono, o casamento com o Princípe Alberto (1819 - 1861) e os seus dois jubileus de reinado.

Para além da digitalização dos diários, está também disponibilizada uma colecção importante de ilustrações da autoria da própria rainha bem como uma secção destinada a recursos bibliográficos. Permito-me ainda destacar, no fim, a excelência deste projecto que concretiza de forma prática, não só a importância da disponibilização de recursos online para os historiadores, mas também a excelência de um projecto de serviço público realizado em nome da cultura e da História.

Devo um agradecimento final à Rita Rente, que me deu a conhecer este projecto.

Outros links de interesse:

quarta-feira, 20 de junho de 2012

História em crise? O "Fim da História": uma verdade ou um mito?


O que temos desde a Historiografia dos Annales é um modelo que, querendo propor algo para lá da proposta positivista, vai incluindo progressivamente uma valorização das estruturas e das variáveis que se mantém no jogo da sociedade. Assim, visão da própria História no final do século XX, corresponde a uma História que se pretende construir de forma mais humilde porque prescinde de alcançar a objectividade e a verdade absolutas, não só porque a perspectiva de uma verdade absoluta em História corresponde a um movimento ilusório de alguém que pretende construir um passado não vivido, mas sobretudo porque a verdade se trata de uma abstracção e de uma construção imagética das realidades que parte de nós próprios. Neste sentido, nunca teremos uma imagem igual projectada por dois historiadores diferentes. Mas se esta História é ao mesmo tempo "humilde", é também "ambiciosa" quando se propõe em abarcar todas as dimensões históricas da Humanidade seja em que época for (algo para que contribuiu, não só uma mudança de paradigma intelectual motivada pela emergência - e consequente reivindicação de estatuto científico próprio - de áreas como a Sociologia ou a Antropologia, mas também uma consequente renovação prática e propedêutica de ciências sociais tradicionais, como a História) e não devemos esquecer-nos, que nestes dois pólos de acção da História, uma época não é essencialmente uma questão de tempo, mas antes uma noção do novo eterno.
Algo assim concebido, iria reflectir-se num aumento da especialização histórica e o que temos é, portanto, uma contradição; um paradoxo, com uma proposta que se assume e se ambiciona como globalizante. A tendência para a especialização num tempo mais restrito e num tempo mais curto associam-se a uma inclusão e diversificação, no campo da História, de métodos concretos adaptados às necessidades de estudo. Deste modo, no limiar do década de 80, o que temos é uma História em "crise"; se preferir-mos, uma História céptica: a publicação de um editorial subordinado ao título "Émiettement de l'histoire" congrega, de um modo geral, o novo sentimento em relação à História, não só ao confirmar, na prática, o dilema entre uma objectividade pretendida e o próprio historiador, mas também ao atestar um movimento geral de passagem de uma história globalizante - ainda presa ao modelo estruturalista - para uma micro-história. É neste contexto que voltam ao palco antigas reflexões sobre a História, sobre o que deve ser, sobre os seus fim, sobre o seu próprio fim.
De tal modo, a década de 80 do século XX manifestou-se no quadro histórico, de um modo geral, como um período de cepticismo, sentimento impulsionador e manifestador de velhas teorias: falamos agora do Fim da História. Proposta e construída por Georg Friedrich Hegel (1770 - 1831) no século XIX, o modelo teórico do fim da da História é retomado no último quartel do século XX para o fazer corresponder a um sentimento de crise da História e outras ciências sociais. Assim, o que aqui está postulado é algo que corresponde a um certo pessimismo do pensamento hegeliano e, como tal, o que se sugere é o fim dos processos históricos como processos de mudança e evolução, algo que aconteceria no preciso momento em que a Humanidade atingisse um ponto de equilíbrio. Quando retomada no final do século XX - 1992 - com Francis Fukuyama (n. 1952) em "The End of History and the Last Man", a teoria adquiriu, em concreto, carácter verificável, quando se convencionou que a queda do Muro de Berlim (1989) corresponderia ao momento final em que a destruição do totalitarismo soviético seria traduzido no último estágio de evolução da Humanidade com o triunfo da Democracia como forma definitiva de governar o Homem. De facto, quem se iludiu de que a queda do Muro de Berlim seria a resposta final dos anseios do Homem por um tempo de felicidade perpétua e perenidade da democracia, talvez tenha cometido um erro. Enquanto existirem Homens na Terra, mesmo que um grupo reduzido, haverá interesses e motivações em jogo e a História prosseguirá; não porque seja algo inerente ao próprio tempo, mas porque a História constitui a melhor forma de o Homem, esse misterioso ser que tem uma necessidade constante de encontrar-se e saber quem é, construir a sua identidade, não só individual, mas também colectiva. E é sobretudo nestes tempos de imposição e de afirmação de poderes subtrefúgios que devemos ter a consciência de que a Democracia não constitui um dado adquirido, mas que é antes uma construção em movimento e um trabalho de todos os dias. A derrocada do "velho monstro" soviético, se algo demonstrou ao Homem foi, não apenas o final, mas a determinação firme em colocar termo a uma forma de opressão. Mas ter vontade talvez não seja suficiente, e que espécie de seres humanos seríamos nós ao ter a pretensão de achar como acaba a História mesmo antes de ela ser contada? A minha geração tem um século pela frente; seria extremamente condenador pensar que tudo terminaria aqui.

Referências bibliográficas:
 - GARDINER, Patrick, Teorias da História, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1984.