sábado, 23 de junho de 2012

Diplomacia no início do século XX: o Tratado de Versalhes e a questão alemã.

As negociações diplomáticas durante a Conferência de Paz de 1919, realizada em Paris, após a I.ª Guerra Mundial e a declaração do Armistício de Compiégne (Novembro de 1918) reflectiam aquela que era uma das necessidades mais urgentes no contexto político europeu: o regresso imediato da Paz à Europa depois de conflito armado que, em 1914, foi pensado para ser resolvido numa questão de meses e viria a degenerar numa guerra até então sem precedentes. Mas se esta era uma das necessidades primordiais subjacentes às negociações de paz, o jogo diplomático reflectia, simultaneamente, uma combinação de poder político, económico, militar e, sobretudo, muita ambição. Foi, de facto, na combinação destes poderes que se baseou a autoridade dos "Quatro Grandes" - Estados Unidos da América, Império Britânico, França e Itália -, circunstância que relegaria para os restantes países signatários um papel meramente cerimonial, ao mesmo tempo que conferiria ao texto do tratado uma legitimidade superior às principais potências aliadas que, na qualidade de principais potências vencedoras, sentiram uma necessidade urgente de negociar os suas condições de paz. Embora este conjunto de poderes não estivesse igualmente distribuído pelas principais potências, o presidente norte-americado Woodrow Wilson (1856-1924) combinava-os e, não querendo cair num exagero forçado de considerar que a I.ª Guerra Mundial foi uma benção para os Estados Unidos, não devemos deixar de considerar que constituiu a primeira pedra de toque que marcaria definitivamente a posição hegemónica dos Estados Unidos face à Europa: a Guerra não teve, de facto, as proporções devastadoras que teve na Europa, onde se desenrolaram a maior parte dos confrontos; apenas cerca de 48.000 soldados norte americanos morreram durante a Guerra, um número correspondente a apenas 6% das mortes britânicas. Deste modo, W. Wilson e a combinação de poderes que soube concretizar, desempenharam um papel crucial, não só na elaboração do armistício de 1918, mas também nas futuras negociações de paz, algo baseado na apresentação de uma ordem de trabalhos concreta - "Quatorze Pontos" - que se desejavam ser os principais alicerces de uma nova ordem internacional. Contudo, todos os delegados diplomáticos presentes na Conferência de Paz tinham a sua ordem de trabalhos concreta bem como a consequente ambição de apresentá-la e concretizá-la em nome da defesa de interesses nacionais próprios. Neste sentido, a Conferência de Paz haveria de tornar-se numa amálgama de propostas, muitas delas nitidamente conflituais e confusas, evidência inicial de um dos factores que motivaram a falência do seu paradigma: o exacerbado sentimento nacionalista (ainda demasiado preso aos modelos oitocentistas de construção do Estado-Nação) associado a uma incapacidade de negociação de interesses no quadro internacional.
Não devemos, contudo, ser laxistas ao ponto de considerar que todas as negociações se encetaram em meros actos cerimoniais de diplomacia de salão. De facto, as principais negociações obtidas tiveram consagração no Tratado de Versalhes que se constituiria, a partir de agora, como o novo paradigma nas relações internacionais ao pretender construir um novo equilíbrio global em dois vectores: por um lado, através do urgente e definitivo regresso da Europa à Paz e, por outro lado, através da construção de um modelo onde se pudessem desenvolver verdadeiras Democracias Liberais. Aliás, uma das principais ideias de W. Wilson ao pretender criar uma "Liga das Nações" era, não apenas a manifestação de uma nova corrente em termos de política internacional, mas também a constituição de uma organização mundial e não apenas europeia que fosse ao encontro da seguinte máxima: "(...) the world safe for democracy." (excerto de uma pronunciação dirigida ao Congresso em 2 de Abril de 1917). O que se pretendia, neste sentido, era a criação de um organismo internacional onde a prossecução da segurança permitisse o desenvolvimento das democracias. Neste enquandramento, e ao abrigo de um novo princípio de auto-determinação das comunidades (uma das propostas de W. Wilson), os Impérios Alemão, Austro-Húngaro, Russo e Otomano foram desmembrados e adoptaram modelos baseados no sufrágio universal e em formas republicanas de governo.
Centremo-nos, agora, no que nos trouxe até aqui: as negociações de Paz em torno da questão alemã. O governo imperial alemão, ao reconhecer uma incapacidade de prosseguir o esforço de guerra pediu, em 1918, um armistício; viria a ser assinado em Novembro do mesmo ano em Compiégne e poria termo efectivo aos confrontos bélicos. A Alemanha, ao reconhecer a incapacidade de prosseguir o esforço de guerra reconheceu, na prática, uma situação de sujeição em termos de negociação diplomática e, nesse sentido, as Potências Aliadas tomaram como declaração de princípio que a Alemanha seria declarada como parte culpada pelo que, o Tratado de Versalhes foi apresentado aos alemães em Maio de 1919 sem qualquer intervenção negocial da Alemanha. A prática diplomática, mais do que sintomática do que estaria para vir, foi vexatória: os delegados alemães na Conferência de Paz foram mantidos em condições humilhantes e sem qualquer capacidade de decisão ou negociação, tanto mais que, o chefe da missão diplomática alemã, o conde Ulrich von Brockdorff-Rantzau (1869-1928) terá afirmado: "Aqueles que assinarem este tratado, assinarão a sentença de morte de muitos milhões de alemães: homens, mulheres e crianças." Apesar da afirmação, o Tratado viria a ser assinado por toda a delegação alemã e o seu Ministro dos Negócios Extrangeiros, Hermann Müller (1876-1931), na grande Sala dos Espelhos do Palácio de Versalhes. O acto era simbólico: ali fora proclamado com solenidade o Império Alemão em 1871 após a vitória alemã na Guerra Franco-Prussiana (1870-1871); ali seria - apesar das severes críticas de W. Wilson - humilhada a Alemanha e culpada por todas as desgraças europeias.
As imposições feitas à Alemanha tinham como principal objectivo enfraquecer o país territorialmente, militarmente e economicamente. De facto, a médio / longo prazo, este ideal sobre o qual a Paz deveria assentar no engrandecimento dos vencedores e na humilhação dos vencidos, revelar-se-ia desastroso para a própria manutenção da Paz na Europa. Foram países como a França e a Grã-Bretanha que os defenderam. Por um lado, a França - o país que mais sofreu com a ocupação alemã e onde grande parte dos confrontos militares se desenrolaram -, apenas conseguia conceber uma Paz nos termos de uma Alemanha humilde e enfraquecida. Georges Clemenceau (1841-1929) viveu a ocupação alemã de Paris em 1871 no quadro da Guerra Franco-Prussiana e o comandante supremo Marechal Ferdinand Foch (1851-1929), sabia quão perto a França esteve do colapso em 1918 e, portanto, as suas ideias de Paz residiam em manter uma Alemanha tão fraca quanto possível; por outro lado, a Grã-Bretanha não se mostrou generosa em relação à Alemanha: David Lloyd George (1863-1945) prometera ao seu eleitorado "espremer a Alemanha até as pevides guincharem" e, num plano distinto, a dinastia reinante regenerar-se-ia e deixaria de intitular-se Dinastia de Hannover para passar a intitular-se Dinastia de Windsor numa tentativa clara de afastar a herança germânica da Casa Real britânica. 

Bibliografia de referência:
 - KISSINGER, Henry, Diplomacia, Lisboa, Gradiva, 1994;

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