domingo, 24 de junho de 2012

Alemanha 1919-1923: em torno de questões territoriais, militares e económicas.

Uma demonstração de protesto do povo alemão frente ao Reichstag perante a eminência de assinatura do TratadoVersalhes.
Berlim, 15 de Maio de 1919.
Mais do que uma simples fotografia o que temos na imagem superior é um espelho que nos fornece, não só o sentimento alemão, mas também a verdadeira dimensão do seu problema. Optando por uma linha de continuidade da publicação anterior, quando dissémos que a estratégia diplomática para a Paz se concretizou, na prática, numa opção por estabelecer uma cláusula culposa de guerra para os germânicos, devemos centrar-nos exclusivamente na dimensão do problema sob a perspectiva alemã. A imagem apresentada revela-nos mais do que uma manifestação de indivíduos anónimos perante uma situação que se agravava em cada escalada; ela revela-nos a própria essência do século XX: as massas, os debates, os extremos. De facto, a assinatura do Tratado de Versalhes foi seguida - embora a delegação alemã em Paris tivesse sido colocada em condições que impossibilitavam qualquer tipo de negociação - de um amplo debate entre as lideranças políticas alemãs mas, apesar de uma necessidade demonstrada em debater e em propror opções para a Paz europeia, os Aliados mostraram-se inflexíveis e souberam usar de uma posição de fragilidade alemã em proveito próprio: no mês de Junho de 1919 apresentaram ao governo alemão um ultimatum estabelecendo um clausulado em que a ou Alemanha assinaria e aceitaria sem reservas as condições de paz impostas pelo tratado ou as hostilidades, perante um cenário de recusa dos alemães em assinar o Tratado, seriam imediatamente retomadas. Deste modo, o que temos é uma estratégia de paz que opta pelo enfraquecimento alemão territorialmente, militarmente e economicamente.
O antigo Império Alemão - II.º Reich -, que entretanto havia sido dissolvido em 1918 e substituído por uma República parlamentar em 1919, incorporava comunidades e Nações das quais se veria forçado a abdicar, não só porque se estabeleceu na Paz de Versalhes um princípio de autodeterminação das nacionalidades submetidas aos Impérios, mas porque uma das cláusulas do Tratado de Versalhes isso mesmo estabeleceu e impôs aos alemães. Neste sentido, a Alsácia e a Lorena - incorporadas na Alemanha pelo Tratado de Frankfurt (1871) após a vitória na Guerra Franco-Prussiana - seriam reintegradas na soberania francesa (artigo 51.º do Tratado de Versalhes). De outro modo, a Alemanha seria obrigada a reconhecer e a respeitar a independência da Áustria, algo a que se associou uma obrigatoriedade de reconhecer que esta independência seria inalienável sem o consentimento da Sociedade das Nações - disposição confirmada pelo Tratado de Saint-Germain-en-Laye (1919) para evitar uma tentativa de Anchluss entre os dois territórios (artigo 80.º do Tratado de Versalhes). A Alemanha seria obrigada, do mesmo modo, a reconhecer a completa independência da Checoslováquia e da Polónia (artigos 81.º e 87.º do Tratado de Versalhes). O Tratado de Versalhes confirmaria ainda uma total disciplina sobre outros territórios alemães: a Jutlândia do Sul seria devolvida à Dinamarca se assim fosse decidido por um plebiscito na região; as cidades de Eupen e Malmedy seriam restituídas à Bélgica; a província do Sarre seria entregue a um mandato da Sociedade das Nações por um período de quinze anos e, finalmente, a cidade de Danzig (actualmente Gdansk) foi transformada na Cidade Livre de Danzig sob tutela directa da Sociedade das Nações. As imposições territoriais foram, todavia, para além dos territórios europeus: de facto, a Alemanha foi obrigada a renunciar, em favor das principais Potências Aliadas, a todos os direitos e títulos de soberania sobre as possessões ultramarinas (artigo 119.º do Tratado de Versalhes) algo que se verificou, não apenas através de uma transferência directa de direitos de soberania para os Aliados, mas também através de mandatos concedidos à Sociedade das Nações.
Contudo, para além de soberana de um vasto território, a Alemanha era uma potência a nível militar. Tornou-se evidente que, de acordo com uma estratégia de pacificação pelo enfraquecimento da Alemanha, também as sanções impostas pelo Tratado de Versalhes se destinavam a enfraquecer o poder militar alemão. Neste sentido, a Alemanha ficaria expressamente proibida de manter ou construir fortificações na margem esquerda e direita do Reno bem como seria proibida de conservar ou manter forças armadas neste território, a título vitalício ou temporário (artigos 42.º e 43.º do Tratado de Versalhes). Por outro lado, a Alemanha foi obrigada a desmobilizar as suas forças armadas e a reduzi-las às condições tipificadas no Tratado de Versalhes (artigo 159.º). A contradição deste clausulado traduzir-se-ia, caso fosse verificável, na consideração da Alemanha como uma ameaça à Paz mundial (artigo 44.º do Tratado de Versalhes). A construção deste cenário confirmou, verdadeiramente, uma circunstância vexatória para a Alemanha: as Potências Aliadas não tinham qualquer intenção de que o Reichswehr (exército) se mantivesse forte e, portanto, a Alemanha seria desarmada, privada de uma força aérea, armas pesadas, tanques e de uma marinha de guerra - dos 74 navios aprisionados pelos britânicos em Scapa Flow, 70 foram ao fundo por ordens expressas, proferidas em 21 de Junho de 1919, do contra-Almirante Ludwig von Reuter que, sabendo da assinatura do Tratado de Versalhes, recusou render-se e entregar os navios à marinha de guerra britânica. O exército alemão ficaria, então, reduzido a um corpo de 100.000 voluntários.
Desde o final do século XIX que a Alemanha se havia constituído como a principal potência industrial da Europa. Era evidente que, aniquilando a Alemanha economicamente, o país se tornaria no elo mais fraco do jogo das Nações e  a sua preponderância em termos internacionais seria irrelevante. Neste sentido, a estratégia de culpabilização da Alemanha repercutiu-se, também, no campo económico quando se convencionou impor à Alemanha o pagamento de indemnizações por todos os danos causados pela Guerra. De facto, o Tratado de Versalhes estabeleceu uma cláusula de culpa de guerra e estipulou que a Alemanha e todos os seus aliados seriam responsáveis pelos danos e prejuízos sofridos pelos governos dos Aliados, em consequência de uma guerra que não pediram mas que lhes foi antes imposta. Assim, a Alemanha ficaria obrigada ao pagamento de indemnizações e reparações de guerra: o valor das indemnizações foi decidido por uma comissão especializada para o efeito e criada, em 1919, pelo Tratado de Versalhes tendo como intermediários as principais Potências Aliadas. No ano de 1921 o valor monetário foi oficializado em 269 biliões de marcos alemães, dos quais 226 biliões seriam a parcela principal a que se somariam mais 12% do valor das exportações anuais alemãs. Ainda no mesmo ano essa dívida foi reduzida para 132 biliões de marcos que os Aliados não se cansavam de exigir, o que era, ainda, uma soma astronómica para o produto interno e para os economistas alemães. O Tratado de Versalhes impôs também à Alemanha o dever de distribuir carvão às Potências, e a França, por seu turno, não se poupava a exigências: já que os conflitos haviam destruído grandes minas de carvão em solo francês, a França exploraria durante um período de 15 anos uma grande parte das reservas de carvão alemãs (sobretudo as do Ruhr) como compensação por aquelas que estes lhes tinham destruído. Contudo, o Presidente W. Wilson não desejava este tipo de comportamento dos Aliados face à Alemanha e gastou muito do seu tempo a arquitectar uma solução para conter os impulsos punitivos dos Aliados. De outro modo, a Grã-Bretanha adoptaria uma posição sui generis na realpolitik internacional: fazendo finca-pé na defesa dos seus interesses económicos, não foi contra o pagamento de indemnizações pela Alemanha, mas depressa  se apercebeu que uma Alemanha arruinada jamais seria capaz de importar produtos britânicos.
De facto, foram necessários dez anos, uma hiperinflação ruinosa para a Alemanha e uma depressão económica a nível mundial para levar os Aliados, num derradeiro acto de consciência, a recuar. Na década de 30 já era demasiado tarde - as imposições feitas à Alemanha e as contradições inerentes às condições do Tratado de Versalhes tornar-se-iam tão óbvias que, a prazo, só se poderiam traduzir num comportamento: o não cumprimento dessas mesmas condições. A Europa tomou a atitude esquizofrénica de fantasiar um monstro; um monstro tão sonhado, tão pensado, que ela própria o criou. Os tratados e os armistícios ditos de "paz e amizade" pretenderam criar uma Europa em Paz; mas a paz assentou mais numa ausência efectiva de guerra do que numa convivência pacífica e harmoniosa entre as Nações e era, por isso, relativa. Os acordos internacionais foram, portanto, demasiado frágeis e insuficientes para resolver os problemas decorrentes da guerra e mesmo aqueles que foram herdados antes do seu começo: o descrédito dos acordos, das organizações e das próprias lideranças associados a um empobrecimento contínuo da Alemanha foram uma das consequências mais desastrosas do paradigma de Versalhes e John Maynard Keynes (1883-1946) escrevia, já em 1919, em The Economic consequences of Peace, "Estamos na época morta dos nossos destinos. Fomos levados para lá da resistência, e precisamos de descansar. Nunca na vida dos homens a chama do elemento universal ardeu tão baixo na alma humana. (...) Quem pode dizer quanto podem aguentar os homens, ou em que direcção irão eles procurar, por fim, escapar aos seus infortúnios?" Infelizmente, a questão teve resposta.

Bibliografia de referência:
 - The Treaty of Versailles (ed. Manfred F. Boemeke), New York, Cambridge University Press, 2006;
 - ANDELMAN, David A., A Shattered Peace: Versailles 1919 and the price we pay today, New Jersey, John Wiley & Sons, 2008;
 - GRAEBNER, Norman A. & BENNETT, Edward M., The Versailles Treaty and its legacy. The Failure of the Wilsonian Vision, New York, Cambridge University Press, 2011;
 - MACMILLAN, Margaret, Peacemakers - Six months that change the World: The Paris Peace Conference of 1919 and its attempt to end war, London, John Murray, 2003;
 - SHEPLEY, Nick, Britain, France and Germany and the Treaty of Versailles: how the Allies built a flawed peace, London, AUK Authors, 2011;


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