quarta-feira, 20 de junho de 2012

História em crise? O "Fim da História": uma verdade ou um mito?


O que temos desde a Historiografia dos Annales é um modelo que, querendo propor algo para lá da proposta positivista, vai incluindo progressivamente uma valorização das estruturas e das variáveis que se mantém no jogo da sociedade. Assim, visão da própria História no final do século XX, corresponde a uma História que se pretende construir de forma mais humilde porque prescinde de alcançar a objectividade e a verdade absolutas, não só porque a perspectiva de uma verdade absoluta em História corresponde a um movimento ilusório de alguém que pretende construir um passado não vivido, mas sobretudo porque a verdade se trata de uma abstracção e de uma construção imagética das realidades que parte de nós próprios. Neste sentido, nunca teremos uma imagem igual projectada por dois historiadores diferentes. Mas se esta História é ao mesmo tempo "humilde", é também "ambiciosa" quando se propõe em abarcar todas as dimensões históricas da Humanidade seja em que época for (algo para que contribuiu, não só uma mudança de paradigma intelectual motivada pela emergência - e consequente reivindicação de estatuto científico próprio - de áreas como a Sociologia ou a Antropologia, mas também uma consequente renovação prática e propedêutica de ciências sociais tradicionais, como a História) e não devemos esquecer-nos, que nestes dois pólos de acção da História, uma época não é essencialmente uma questão de tempo, mas antes uma noção do novo eterno.
Algo assim concebido, iria reflectir-se num aumento da especialização histórica e o que temos é, portanto, uma contradição; um paradoxo, com uma proposta que se assume e se ambiciona como globalizante. A tendência para a especialização num tempo mais restrito e num tempo mais curto associam-se a uma inclusão e diversificação, no campo da História, de métodos concretos adaptados às necessidades de estudo. Deste modo, no limiar do década de 80, o que temos é uma História em "crise"; se preferir-mos, uma História céptica: a publicação de um editorial subordinado ao título "Émiettement de l'histoire" congrega, de um modo geral, o novo sentimento em relação à História, não só ao confirmar, na prática, o dilema entre uma objectividade pretendida e o próprio historiador, mas também ao atestar um movimento geral de passagem de uma história globalizante - ainda presa ao modelo estruturalista - para uma micro-história. É neste contexto que voltam ao palco antigas reflexões sobre a História, sobre o que deve ser, sobre os seus fim, sobre o seu próprio fim.
De tal modo, a década de 80 do século XX manifestou-se no quadro histórico, de um modo geral, como um período de cepticismo, sentimento impulsionador e manifestador de velhas teorias: falamos agora do Fim da História. Proposta e construída por Georg Friedrich Hegel (1770 - 1831) no século XIX, o modelo teórico do fim da da História é retomado no último quartel do século XX para o fazer corresponder a um sentimento de crise da História e outras ciências sociais. Assim, o que aqui está postulado é algo que corresponde a um certo pessimismo do pensamento hegeliano e, como tal, o que se sugere é o fim dos processos históricos como processos de mudança e evolução, algo que aconteceria no preciso momento em que a Humanidade atingisse um ponto de equilíbrio. Quando retomada no final do século XX - 1992 - com Francis Fukuyama (n. 1952) em "The End of History and the Last Man", a teoria adquiriu, em concreto, carácter verificável, quando se convencionou que a queda do Muro de Berlim (1989) corresponderia ao momento final em que a destruição do totalitarismo soviético seria traduzido no último estágio de evolução da Humanidade com o triunfo da Democracia como forma definitiva de governar o Homem. De facto, quem se iludiu de que a queda do Muro de Berlim seria a resposta final dos anseios do Homem por um tempo de felicidade perpétua e perenidade da democracia, talvez tenha cometido um erro. Enquanto existirem Homens na Terra, mesmo que um grupo reduzido, haverá interesses e motivações em jogo e a História prosseguirá; não porque seja algo inerente ao próprio tempo, mas porque a História constitui a melhor forma de o Homem, esse misterioso ser que tem uma necessidade constante de encontrar-se e saber quem é, construir a sua identidade, não só individual, mas também colectiva. E é sobretudo nestes tempos de imposição e de afirmação de poderes subtrefúgios que devemos ter a consciência de que a Democracia não constitui um dado adquirido, mas que é antes uma construção em movimento e um trabalho de todos os dias. A derrocada do "velho monstro" soviético, se algo demonstrou ao Homem foi, não apenas o final, mas a determinação firme em colocar termo a uma forma de opressão. Mas ter vontade talvez não seja suficiente, e que espécie de seres humanos seríamos nós ao ter a pretensão de achar como acaba a História mesmo antes de ela ser contada? A minha geração tem um século pela frente; seria extremamente condenador pensar que tudo terminaria aqui.

Referências bibliográficas:
 - GARDINER, Patrick, Teorias da História, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1984.

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