quarta-feira, 11 de julho de 2012

A Sociedade das Nações face ao território e aos problemas humanitários.

Fridtjof Nansen (1861 - 1930), ca. 1922.
Biblioteca Nacional da Noruega, Oslo.
Como organismo de dimensão internacional, a Sociedade das Nações foi, de facto, pioneira: a criação de um sistema onde se propugnava um modelo de negociação concertado entre as Nações, baseado não só em actos legislativos, mas em princípios concretos de Direito Internacional, invertia uma lógica diplomática até então seguida, baseada no modelo conferencista e seguindo de perto o sistema de Metternich que, de um modo geral, procurava a resolução de conflitos na construção de pontos de equilíbrio, através de acordos cujos mecanismos de garantia eram, as mais das vezes, ineficazes ou mesmo inexistentes. Embora ambicioso, o projecto internacional baseado na Sociedade das Nações saiu, de certa forma, fragilizado, não só das negociações diplomáticas que envolveram o Tratado de Versalhes, mas também da validade que o próprio acto assumiu nos Estados que o negociaram. Embora tenha havido um esforço claro e notório por acolher e dar resposta aos novos condicionalismos internacionais do primeiro pós-guerra, as circunstâncias em que a Sociedade das Nações teve de desenvolver os seus trabalhos até 1939 não terão permitido, talvez, um acolhimento efectivo dessas novas realidades; não por uma questão de incapacidade própria, mas porque um conjunto de questões ficaram, à partida, por responder. Por um lado, os Estados Unidos da América bloquearam sucessivas vezes a ratificação do Tratado, algo que constituiu não só um dos primeiros problemas ao equilíbrio geoestratégico que a Sociedade das Nações pretendia representar, mas também uma posição particular que os Estados Unidos se viram obrigados a adoptar face à Alemanha, à Europa e à Sociedade das Nações: embora o Presidente W. Wilson tenha procurado de forma árdua uma resolução para o problema da ratificação, o Senado norte-americano opôs-se sucessivamente a uma aprovação. A posição americana reflectiria, portanto, uma incapacidade de percepção daquele que era o papel dos Estados Unidos no primeiro pós-guerra, bem como a influência vital que esse papel deveria exercer no novo equilíbrio geoestratégico. Por outro lado, o extremismo da Revolução Russa de 1917 obrigou os Estados europeus, bem como os Estados Unidos, a formar uma espécie de círculo sanitário para conter o avanço da Revolução Bolchevique. Não apenas o medo que a Revolução causou nos principais sistemas políticos e económicos do Ocidente, mas também a desconfiança com que as principais lideranças olharam para a natureza revolucionária do regime, motivaram um arrefecimento nas relações internacionais com a Rússia, algo que seria confirmado através de um tardio reconhecimento diplomático do regime e, bem assim, através de uma tardia adesão da União Soviética à Sociedade das Nações - a adesão seria efectuada em 1934 e retirada imediatamente em 1939. De outro modo, o problema alemão viria a ter eco no novo organismo internacional: de facto, a constituição da Sociedade das Nações não contemplou, de imediato, a integração da Alemanha e, neste sentido, tornar-se-ia impossível a prossecução de uma estratégia concertada de cooperação internacional para a Paz, a Segurança e a Democracia que contemplasse apenas a participação das Potências vencedoras. Este foi, parece-me, um facto de capital importância não só para a desacreditação da Sociedade das Nações nos seus primeiros anos, mas também para a falência do próprio Tratado de Versalhes - a Alemanha seria integrada na Sociedade das Nações em 1925, pelo Tratado de Locarno, e abandonaria a sua posição em 1933.
Contudo, não devemos optar por um raciocínio laxista e pensar que todo o trabalho desenvolvido pela Sociedade das Nações foi infrutífero. Correspondendo a um momento na política internacional em que as grandes questões de Estado necessitam de ser discutidas num amplo consenso, na medida em que envolvam outros Estados, a construção da Sociedade das Nações procurou, de forma concreta e alargada, desenvolver um trabalho de resolução exaustivo de todas as questões que ficaram em aberto após 1919: limites de fronteiras, conflitos regionais e problemas humanitários. Todavia, a fixação de fronteiras pelos primeiros tratados de paz não foi suficiente para conter litígios de poder e conflitos de soberania, pelo que foi necessária uma segunda geração de tratados de paz para que estas questões dessem um novo passo na sua solução, embora insuficiente e temporária. A Europa só viria a conhecer um novo mapa político em 1925 e, até ao desencadear da II.ª Guerra Mundial, esse mapa não foi, de todo, estável.
Embora a ausência de estabilidade fosse dominante na maior parte das questões, o trabalho internacional no sentido se dar resolução a problemas de alcançe territorial não pode deixar de ser tido como um trabalho árduo e grandioso. Apesar de grandiosidade do trabalho, as primeiras resoluções foram pouco extensíveis: nos três primeiros anos da década de 1920 a Sociedade das Nações procurou dar apenas importância às questões designadas na Conferência de Paz de 1919, não porque essas fossem as questões mais urgentes na construção da estabilidade política europeia, mas sobretudo porque todas as decisões foram manipuladas pelas Potências Aliadas nos orgãos superiores; orgãos como o Conselho Supremo dos Aliados. Contudo, a Sociedade das Nações procuraria ocupar um lugar cada vez mais central nas negociações de Estado e, com o desenvolvimento do seu papel internacional, a resolução de disputas territoriais foi conseguida através de um recurso cada vez maior a estratégias diplomáticas. Ao mesmo tempo, a Sociedade das Nações ia-se tornando, gradualmente, o centro da actividade internacional: os E.U.A. - embora nunca aderindo formalmente ao organismo - e a U.R.S.S. procuraram trabalhar de forma cada vez mais próxima com a Sociedade das Nações, do mesmo modo que a França, o Reino Unido e a Alemanha procuraram fazer da organização internacional o cerne da sua actividade diplomática. Mas simultaneamente árduo, foi também o trabalho desenvolvido pela Sociedade das Nações no sentido de dar solução aos conflitos regionais; conflitos como o da Alta Silésia e o da Albânia. Por um lado, o problema da Alta Silésia foi amplamente discutido nas negociações do Tratado de Versalhes e, após o falhanço de uma solução concertada das Forças Aliadas, o problema foi encaminhado para a Sociedade das Nações que, em Agosto de 1921, pretendeu resolver o conflito de forma directa através da criação de uma Comissão para estudar o problema. Em Novembro do mesmo ano, decidiu-se a realização de uma Conferência em Genebra para negociar uma possível solução entre a Alemanha e a Polónia - os principais incluídos no problema da Alta Silésia. Um acordo final foi alcançado ainda no mesmo ano que, após a realização de cinco sessões, entendeu atribuir a maior parte da região da Alta Silésia à soberania alemã e o restante à soberania polaca. Por outro lado, a questão da Albânia estava ainda em aberto e as suas fronteiras não haviam sido definidas durante a Conferência de Paz de 1919 pelo que, uma decisão sobre o problema, ficaria exclusivamente a cargo da Sociedade das Nações. Em Setembro de 1921 uma decisão formal ainda não tinha sido tomada e a situação agravava-se progressivamente: a instabilidade de fronteiras causava uma situação instável na região balcânica e as tropas gregas lançavam-se repetidamente no território albanês. Ainda no mesmo ano a Sociedade das Nações entendeu a criação de uma Comissão para decidir o conflito, que viria a pronunciar-se no sentido de manter as fronteiras estabelecidas para o território em 1913. Ainda nesta linha, o trabalho da Sociedade das Nações viria a revelar-se profícuo na resolução de outros conflitos: a definição da soberania da província otomana do Mosul, actual Iraque e Síria. A definição de fronteiras numa região que durante milénios não as teve, e que possibilitou às populações regionais o desenvolvimento da migração como uma forma particular de vida, encerrava-as agora num espaço concreto e arrastaria o problema para a nossa contemporaneidade: o Médio Oriente é, ainda, uma questão que exige resolução.
Todavia, seria insuficiente que as questões regionais ficassem apenas resolvidas por intermédio de tratados e acordos multilaterais. Sinónimo da vanguarda do seu tempo, a Sociedade das Nações procurou estar ao lado daqueles que, particularmente, sairiam mais fragilizados dos conflitos regionais e, neste sentido, assumiria uma postura verdadeiramente humanitária. Assim, viriam a assumir uma dimensão considerável, não só no primeiro pós-guerra, mas praticamente durante todo o período de trabalho da Sociedade das Nações (1919-1939), todas as questões relacionadas com os refugiados e os apátridas. Assumido o problema, a Sociedade das Nações viria a criar por deliberação própria um Comité Especializado para os Refugiados. De facto, no final da I.ª Guerra Mundial o número de refugiados e apátridas tinha disparado, não só devido aos conflitos armados, mas também porque os Impérios que anteriormente englobavam diferentes nacionalidades deixaram de existir. A Rússia e a Alemanha foram os países onde este drama humanitário viria a assumir maiores proporções: com o desmembramento do Império Alemão, o princípio da auto-determinação revelar-se-ia controverso quando se tornou constatável que, por um lado, um terço dos habitantes da Polónia não falavam e não se sentiam polacos e, por outro lado, que a Checoslováquia era uma colecção de minorias de cujos 10 milhões de habitantes faziam parte 3 milhões de checos, 2,5 milhões de eslovacos, 1 milhão de húngaros, meio milhão de rutenos e mais de 3 milhões de alemães - a maioria da população checoslovaca era, de facto, alemã; na Rússia, por seu turno, existiam entre 2 a 3 milhões de ex-prisioneiros de Guerra e, desse total, cerca de 425.000 foram auxiliados pelo Comité para os Refugiados a regressar a casa. Neste sentido, o Comité criado pela Sociedade das Nações revelar-se-ia uma estrutura disposta a trabalhar e a cuidar dos interesses dos refugiados, nomeadamente no que respeitava à supervisão do seu repatriamento e, quando tal não posse possível, na procura de um estatuto jurídico para os indivíduos sem nacionalidade: entre 1920 e 1921, Fridtjof Nansen (1861-1930) presidiu à comissão executiva do Comité para os Refugiados que, sob a sua direcção trabalhou, não só na organização e no supervisionamento do repatriamento de cerca de 450.ooo prisioneiros de guerra e refugiados, mas também no desenvolvimento de um passaporte - o Passaporte Nansen - que se constituiria como um mecanismo jurídico internacional de identificação dos apátridas, documento que permitiu solucionar em grande número o seu problema. O trabalho humanitário desenvolvido na Sociedade das Nações valer-lhe-ia, em 10 de Dezembro de 1922, o Prémio Nobel da Paz.

Bibliografia de referência:
 - HOUSDEN, Martyn, The League of Nations and the Organization of Peace, London, Longman, 2012;
 - HUNTFORD, Roland, Nansen, London, Abacus, 2001;
 - MARRUS, Michael R. & ZOLBERG, Aristide R., The Unwanted: European Refugees from the First World War Trough the Cold War, Philadelphia, Temple University Press, 2002.

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