segunda-feira, 2 de julho de 2012

A falência do paradigma Versalhes e a posição dos Estados Unidos da América.

Thomas Woodrow Wilson (1856-1924), 28.º Pre-
sidente dos Estados Unidos (1912-1931).
Retrato oficial, Casa Branca.
"Gentlemans of the Congress:
Once more, as a repeatedly before, the spokesman of the Central Empires have indicated their desire to discuss the objects of the war and the possible bases of a general peace. (...) It will be our wish and purpose that the processes of peace, when they are begun, shall be absolutely open and that they shall involve and permit henceforth no secret understandings of any kind. The day of conquest and aggrandizement is gone by; (...) It is this happy fact, now clear to the view of every public man whose thoughts do not still linger in an age that is dead and gone, which makes it possible for every nation whose purposes are consistent with justice and the peace of the world to avow now or at any other time the objects it has in view. We entered this war because violations of right had occurred which touched us to the quick and made the life of our own people impossible unless they were corrected and the world secured once for all against their recurrence. What we demand in this war, therefore, is nothing peculiar to ourselves. It is that the world be made fit and safe to live in; (...). The programme of the world's peace, therefore, is our programme; and that programme, the only possible programme, as we see it, is this (...).
Foram estas as palavras com que Woodrow Wilson dirigiu e endereçou ao Congresso dos Estados Unidos, em 8 de Janeiro de 1918 - e apresentados posteriormente pela delegação americana em Versalhes -, os "Catorze Pontos para a Paz". Terminado o conflito armado de 1914-1918 tornou-se imperativo estabelecer um novo paradigma que moldasse as relações internacionais entre os Estados. Embora a Conferência de Paz de Paris pretendesse ao máximo concretizar um novo modelo de relacionamento entre as Potências vencedoras e vencidas que, em princípio, teria acolhimento no principal documento aí produzido - o Tratado de Versalhes -, as negociações de Paz obedeceram ainda a uma lógica de interesse próprio dos Estados, ao mesmo tempo que reflectiam uma combinação própria de poderes em relação aos quais as Potências Aliadas não estavam dispostas a abdicar. De facto, o Presidente W. Wilson desempenhou um papel crucial nas negociações de Paz, não só porque uma nova posição estratégica nas relações internacionais vinha a ser reivindicada pelos Estados Unidos da América desde a presidência de Theodore Roosevelt (1858-1919), mas sobretudo porque W. Wilson foi o único chefe de Estado a sair dos conflitos armados com uma combinação particular de poder político, económico e militar, algo que lhe terá permitido apresentar nas negociações de Versalhes uma ordem de trabalhos concreta capaz de respeitada, de certo modo, pelas restantes Nações - ainda em 1917, pouco tempo depois de os Estados Unidos intervirem no primeiro conflito mundial, W. Wilson escreveu a um dos seus conselheiros para a política externa, o Coronel Edward M. House (1858-1938), que "quando a guerra acabar, podemos forçá-los a aceitar a nossa maneira de pensar, porque então estarão, entre outras coisas, financeiramente nas nossas mãos". Assim, os "Catorze pontos para a Paz" devem ser tidos em conta, não como algo que tenha sido efectivado na sua totalidade, mas como algo que reflectia, simultaneamente, a posição estratégica dos Estados Unidos no primeiro pós-guerra e aquilo que se propunha, do lado norte-americano, como um novo paradigma internacional tendente à construção de um novo equilíbrio global. A nova proposta global preconizada pelos "Catorze Pontos para a Paz" foi, desde logo, preconizada em dois graus: por um lado, oito pontos da proposta norte-americana teriam de ser imediatamente concretizados como condição para um regresso imediato à Paz - uma diplomacia aberta, liberdade marítima, desarmamento geral, retirada de barreiras comerciais, decisão imparcial quanto às pretensões coloniais, independência da Bélgica, evacuação do território russo e, coroando os pontos obrigatórios, a criação de um organismo internacional e não apenas europeu para a manutenção da paz, a Sociedade das Nações; por outro lado, os restantes seis pontos constituiam uma manifestação daquilo que o Presidente W. Wilson entendeu serem questões fracturantes no contexto europeu e que deviam ser solucionadas no âmbito da liberdade negocial dos próprios Estados europeus: a restituição da Alsácia e Lorena à soberania francesa, autonomia para mas as minorias nacionais integradas nos Impérios desfeitos, o reajustamento das fronteiras da Itália, a evacuação dos Balcãs, a internacionalização dos Dardanelos e a criação de uma Polónia independente com livre acesso ao mar.
Neste sentido, os Estados Unidos puseram à margem questões de interesse exclusivo dos Estados europeus e, ao contrário de países como a França, não insistiram numa óptica obstinada em que vitória da guerra deveria assentar num aniquilamento total da Alemanha e dos seus aliados. Assim, ficaria consubstanciado na Conferência de Paz de 1919, não só uma necessidade de retorno à paz com que os Estados Unidos confrontaram a Europa, mas também uma vitória clara das Democracias ocidentais num cenário que, assim construído, pretendia por os dois pratos da balança a funcionar em uníssono: a criação de um organismo internacional que não estivesse subordinado exclusivamente aos interesses da Europa constiuía, de facto, um novo paradigma; um paradigma que, preconizando um modelo de segurança como forma de manutenção da paz, garantia, ao mesmo tempo, a segurança necessária para um desenvolvimento completo das Democracias. Este era, deste modo, o mundo e o modelo planeado por W. Wilson, algo que invertia não só uma estratégia até então preconizada nas relações internacionais, mas que invertia também a própria História: para além de legitimar a intervenção americana no conflito mundial, o que W. Wilson pretendia construir era um mundo em que as relações entre os Estados actuassem com base em princípios morais, princípios contidos em actos legais que substituíriam em definitivo as lógicas de poder e os conflitos de interesse entre os Estados; de uma outra maneira - e não devemos esquecer que W. Wilson era também um Historiador - a História a contar deixaria de ser apenas a História dos vencedores; os vencidos teriam também uma palavra a dizer no processo histórico e era tão necessário contar a sua História, como a daqueles que os venceram.
Contudo, apesar da grandiosidade que representaram os trabalhos de paz, as obras que daí surgiram foram demasiado claudicantes e, neste sentido, era inevitável que as tentativas de paz se revelassem tão inúteis como as expectativas com que os países se tinham lançado na hecatombe armada; não só porque na Europa se convencionou o aniquilamento alemão como uma condição vital para a sobrevivência e a manutenção da paz, mas porque os Estados Unidos da América, uma potência vital para o equilíbrio geoestratégico do novo paradigma internacional, nunca chegaram a integrar com efectividade o Tratado de Versalhes e o novo organismo internacional que propuseram. Assim, um dos principais vectores de falência do paradigma Versalhes consistiu nos mecanismos constitucionais de ratificação dos Tratados. Seria conveniente, a partir daqui, e para garantir uma legitimidade alargada, que as principais Potências vencedoras ratificassem o Tratado de Versalhes, algo que não ocorreu nos Estados Unidos. De facto, um dos principais problemas que se colocou à validade do Tratado de Versalhes nos Estados Unidos foi, de um modo geral, o facto de se fazer recair sobre o Senado o mecanismo de ratificação: as eleições para o Senado deram, em 1918, vitória ao Partido Republicano - a oposição de W. Wilson - que não concebeu uma estratégia internacional nos mesmos moldes e, neste sentido, a ratificação do Tratado foi bloqueada por duas vezes consecutivas, a última em 19 de Março de 1920. Os Estados Unidos estavam, assim, fora do paradigma de Versalhes e, ao mesmo tempo, fora da Sociedade das Nações. Embora fosse possível encontrar no Senado alguns partidários das posições de W. Wilson, que procuravam uma solução pacífica para a Alemanha baseada no desenvolvimento democrático e na prosperidade económica, criticando de forma insistente a quantidade de imposições financeiras a que a Alemanha estava sujeita, foi necessário negociar uma paz separada e bilateral com a Alemanha através do Tratado de Berlim em 1921. Por outro lado, a Europa não estava ainda preparada para uma estratégia internacional baseada no idealismo próprio dos princípios morais; agarrada ainda a um estilo aristocrático de diplomacia de salão onde era típico, não só a peneira da conspiração, mas também os acordos secretos, uma larga maioria das Nações europeias, embora aderísse, nunca foi verdadeiramente capaz de conceber a criação de uma organização internacional que viesse, em muitos domínios, substituir o poder soberano dos próprios Estados naquilo que era a sua autoridade em termos internacionais. Em 11 de Novembro de 1918, data do Armistício de Compiégne, David Lloyd George (1863-1945) disse, a propósito do cessar-fogo: "Espero que possamos dizer que assim, nesta manhã decisiva, todas as guerras chegaram ao fim."; em 1936, durante uma visita à Alemanha e após uma reunião com Adolf Hitler (1889-1945) disse: "Eu jamais encontrei povo mais feliz do que o alemão, e Hitler é um de entre os grandes Homens.". Se era a sua convicção ou uma incapacidade de se contradizer numa época em que a Europa se precipitava numa nova guerra, não me cabe a mim fazer juízo. Contudo, teve oportunidade de testemunhar a realidade e o contraditório da sua paz falhada.

Bibliografia de referência:
 - COOPER, John Milton, Woodrow Wilson: a biography, New York, Vintage Books, 2011;
 - GRAEBNER, Norman A., The Versailles Treaty and its Legacy: The Failure of the Wilsonian Vision, New York, Cambridge University Press, 2011;
 - KISSINGER, Henry, Diplomacia, Lisboa, Gradiva, 1996.

Sites de interesse:
- Woodrow Wilson Presidential Library

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